É um evento parar para escutar Áurea Carolina. A fala é ligeira e bem humorada, o pensamento rápido e acolhedor. Ela oferta uma capacidade de formulação política e uma compreensão sistêmica que flutua entre a esperança, a raiva, o cansaço, o amor e a luta — as duas últimas leva tatuada na pele e mostra com orgulho. Escutar ela nomear as coisas como elas são é conseguir nomear também, é encontrar o eco de tantas subjetividades ativistas que vivem, escrevem, lutam e agem sob nuvens de fumaça e ameaças de trogloditas.
As quebradas de Belo Horizonte, o movimento hip hop, a capital mineira e depois o país foram entendendo isso aos poucos. Muita gente ouviu também quando uma das deputadas federais de maior destaque nacional abriu mão de seguir na carreira política, com um texto bonito, triste e cortante sobre ser uma mulher negra no branco palácio da política patriarcal tradicional brasileira. Ela fala sobre as experiências, algumas vezes violentas, de trabalhar na institucionalidade, e também a sua mudança de interpretação sobre o que é e o papel do ativismo, que, em suas palavras, não pode ser um lugar de consumo.
Para quem não conhece, ela é ativista, educadora popular e mestra em ciência política. Foi vereadora em Belo Horizonte e deputada federal em Minas Gerais pelo PSOL. Fez parte do projeto Gabinetona, Muitxs e rede Ocupa Política. É diretora executiva do NOSSAS e atua nas lutas de mulheres, negritude, juventude, povos e comunidades tradicionais e populações periféricas.
Eu tive a felicidade de escutá-la em 2016, quando estava em campanha para se tornar vereadora em BH. Eu segui ouvindo a distância, acompanhando como podia seus passos. A Escola também ouviu Áurea e a conversa continua a inspirar nossos passos.
Quisemos, nesse momento, ouvi-la de novo. E ela topou. Nessa conversa, fui acompanhado da Vitória Rodrigues, uma jovem comunicadora e ativista da Escola. Ela perguntou sobre o que Áurea teria a dizer para um jovem que sonha como ela. Eu perguntei sobre a vida dela, a trajetória, o cenário político, e a noção de legado. E pedi para que ela fabulasse também como seria uma política outra, em que todo mundo pudesse permanecer. Também quisemos saber como ela pensa a crise climática. E usamos essa frase dela no título para chamar vocês para esse papo.
Áurea, eu tive a oportunidade de te entrevistar em 2016, quando você estava concorrendo à vereança em BH. Também retomei um texto-diálogo que você teve com a Escola em 2018 e pude acompanhar sua trajetória. Aí chego hoje com vontade de te perguntar: o que que é ativismo, o que que é luta social, que que é militância para você hoje passado por todas essas transformações?
Áurea Carolina: Ah, que delícia responder isso com você, pensando também no meu laço com a Escola de Ativismo. É muito especial parar para pensar nisso, sabe? A entrevista de 2018 com Cássio [Martinho], mas foi um dia muito marcante, inesquecível, porque foi no 14 de Março de 2018 [dia em que a vereadora carioca Marielle Franco foi executada]. A gente não imaginava o que estava por acontecer, assim os desdobramentos são inacreditáveis. Cresceu muito a violência política. Mas também as sementes por Marielle são uma força que só se expande, cresce.
Naquele dia eu fiquei numa peleia em que eu falava que não sou ativista não, sou lutadora. Me parecia que ativista era abrandado. Mas isso é algo que eu revisei um pouco. Essa posição na linha de frente, muito combativa, me custou muito. Nunca abri mão, né? Tenho tatuado aqui “Amor e Luta”. Acho que são partes indissociáveis.
Mas o ativismo é mais flexível, comporta muita coisa. Várias formas de ser que são válidas também para construir cidadania, espaço crítico de mobilização e eu acho que isso hoje me interessa mais também: formas menos rígidas e mais dialógicas.
Eu acho que naquele momento fazia muito sentido para mim colocar naqueles termos porque também a gente estava constituindo um mandato coletivo numa esteira de muita inovação, né? Sem muito parâmetro, tinha uma coisa de construção coletiva que era muito potente baseada nas lutas populares. E esse termo é importante: lutas populares. Porque são movimentos e formas de construção de poder popular. E eu continuo achando importante afirmá-lo. Porque a gente não quer também ficar reiterando qualquer tipo de ativismo, embora eu goste da abrangência da amplitude. Acaba tendo uma coisa às vezes mais superficial, né?