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Acampamento Terra Livre: A ocupação que ousa pensar um devir indígena para o Brasil pós-Bolsonaro

Uma reflexão da Escola de Ativismo sobre a ocupação em Brasília que é a maior mobilização indígena do país

O Acampamento Terra Livre (ATL), que já teve 20 edições e acontece sempre no mês de Abril, é a maior ocupação indígena do planeta e agrega representantes dos diversos povos indígenas presentes em nosso território, que ecoam suas vozes para muito além da aridez do planalto central, onde se reúnem. São vozes que se unem contra o genocídio indígena e por dignidade, justiça, respeito e, sobretudo, demarcação de terras. Porque, como afirmam, sem demarcação não há democracia, e o futuro é indígena.

“Nossos ancestrais sempre nos ensinaram como devemos viver bem, em plena harmonia com outros seres viventes dessa terra mãe. É preciso aliar isso às ferramentas atuais sem deixar que estas desconsiderem esses ensinamentos. O tempo passa e o mundo se transforma, a sociedade se moderniza. Temos que acompanhar esses ciclos da evolução” (1) – Braz França, liderança Baré, ex-diretor da FOIRN.

Diversidade de saberes, diferentes formas de viver

Apesar da colonização e de todo projeto etnogenocida do Estado Brasileiro nesses mais de 500 anos de Brasil, o ATL é exuberante em riqueza cultural e humana – e em resistência também! Apesar das diversas ocorrências de processos de extermínios, os povos indígenas do Brasil resistem. São 305 povos indígenas diferentes em nosso país, representando uma diversidade sem igual no planeta. O ATL conta com marchas, cartazes, banner humano, dentre outras modalidades de ação direta que botam em movimento as reivindicações dos povos ali representados.

Ao longo da programação do 19º ATL em 2023, os diversos grupos indígenas decretaram emergência climática, cerrando fileiras diante de uma questão que afeta toda a humanidade, e conclamaram uma mobilização permanente contra o Marco Temporal que é uma questão que afeta diversos povos hoje no Brasil.

“Minha geração já pegou um território demarcado, homologado, mas a geração dos meus avós não vivenciou isso. Pode parecer que a gente, jovem, não entende esse processo de luta pela terra, mas nossas lideranças são muito cuidadosas em repassar tudo o que acontece, como foi construído tudo aquilo, para a gente conseguir ter acesso ao nosso território”. – João Victor Pankararu, liderança jovem do povo Pankararu.

As demandas e conquistas do 19º Acampamento Terra Livre

Os cerca de seis mil indígenas representando 200 povos, ocuparam a Praça da Cidadania, em Brasília, na maior mobilização indígena do Brasil. E, ao final do ATL, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas sete regionais assinalaram em documento a demarcação de terras como ação principal para a garantia dos direitos dos povos originários no país. No documento, a Apib ressalta que o que se passa atualmente não permite que seja possível comemorar os poucos avanços institucionais ocorridos em 2023. 

Ainda no 19º ATL, os indígenas que ali compareceram destacaram a resistência do povo Yanomami, que passa por uma situação genocida, de violações de direitos elementares causada pela invasão do território sobretudo por garimpeiros. Os nove indígenas do povo Guarani e Kaiowá detidos de maneira injusta também foram lembrados e, muito em razão da mobilização do ATL, foram libertados no último dia do acampamento.

Mulheres em luta durante a Marcha das Margaridas de 2023

Foto: Vitória Rodrigues

A mensagem principal do ATL foi “o futuro indígena é hoje, sem demarcação não há democracia!”, que deixam claro a esperança de um devir indígena para o país, que possa viver e respeitar a cultura e os modos das centenas de povos ocupando de Oiapoque (2) a Chuí no território brasileiro. E tendo isso em vista, foi entregue um documento ao presidente Lula chamado “Sem demarcação não há democracia!”, no qual são reconhecidos os avanços, mas é assinalado de maneira crucial as inquietações em relação ao posicionamento da Advocacia Geral da União (AGU) relativo ao Marco Temporal, que ainda em 2024 continua sob vistas, e também foi lembrado a ausência de um cronograma para a retomada da política de demarcação e proteção das terras indígenas.

Ao final da ocupação, o governo brasileiro entregou os decretos de homologação de seis Terras Indígenas (TI): TI Rio dos Índios (RS); TI Avá-Canoeiro (GO); TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE); TI Kariri-Xocó (AL); TI Uneiuxi (AM) e TI Arara do Rio Amônia (AC). Dessa forma, quebrou-se um jejum de quase 6 anos sem a garantia deste direito fundamental dos povos indígenas. 

“Para meu povo Baniwa, território significa um lugar sagrado, porque o povo Baniwa se originou de um lugar sagrado chamado Ripana, que é o umbigo do mundo. É uma cachoeira e, segundo as nossas narrativas, as nossas metodologias, nós nascemos de uma vagina feita de pedra. Então nossa conexão com o território é sagrada, porque a gente nasceu dessa Ripana, dessa cachoeira, chamada atualmente Uapuí, e a gente está ligada a esse lugar”. – Francy Baniwa, liderança do povo Baniwa.

Notas:
1. Todos os depoimentos foram coletados no 18º Acampamento Terra Livre e estão presentes na excelente publicação Povos Indígenas do Brasil (2017/2022), do Instituto Sócio Ambiental
2. Expressão popularmente utilizada como referência às extremidades do território brasileiro. Tecnicamente, o extremo Norte brasileiro situa-se no alto do monte Caburaí (1456 metros de altitude), município de Uiramutã, estado de Roraima, na divisa do Brasil com a Guiana.

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