A cor da pele, a textura do cabelo e outros traços físicos, principalmente do nariz e boca, são as principais características percebidas nas pessoas negras. Muito mais que beleza e estilo, para as mulheres quilombolas o cabelo crespo carrega uma história e está ligado à ancestralidade. Dentro de alguns quilombos, os cabelos são considerados símbolos políticos de resistência contra-hegemônica.
Para Lorena Bezerra, o cabelo tem uma importância ancestral. Amante das tranças, turbantes, blackpower, apliques, cabelo natural, com ou sem definição, Lorena Bezerra gosta de mudar o visual com frequência.
“Eu mudo de cabelo sempre e sempre me encontro. Sinto uma liberdade muito grande ao mudar. Ao mesmo tempo que sou desapegada, tenho muito cuidado e apego por conta da minha questão ancestral. Tem toda uma simbologia por trás. Tocar na fibra do meu cabelo é tocar na minha ancestralidade”, disse Lorena.
No quilombo Acre, em Cururupu (MA), a trancista quilombola, fisioterapeuta e comunicadora popular Wynnie Andreza Gomes, 27 anos, sempre esteve rodeada de mulheres. Ainda criança tinha os cabelos cuidados e trançados pelas tias. O costume a fez crescer amando a forma e a textura dos fios.
“A influência da minha família e o fato de ter vivido dentro do movimento negro contribuiu muito para o fortalecimento da minha autoestima. Sempre tive uma grande representatividade das mulheres do quilombo que, desde sempre, tinham essa cultura de usar tranças e o cabelo natural. Naquele tempo as tranças não eram populares como atualmente e, mesmo vivenciando o preconceito na escola por usar tranças e por ter o cabelo que não “voava”, eu nunca me abalei. Foi trabalhado desde sempre em mim que o meu cabelo, crespo ou feito tranças, era bonito”, afirmou.
Entre a infância e a adolescência, Wynnie também aprendeu a trançar e começou a fazer tranças no próprio cabelo e nas outras meninas do quilombo. Aos 17 anos a jovem tornou-se trancista profissional e passou a trabalhar resgatando a autoestima de outras mulheres negras. Para ela, não há sensação melhor do que a de ver as clientes felizes com a aparência.
“Ver as mulheres chegando inseguras e saindo confiantes, realizadas e felizes com o resultado não tem preço. É muito prazeroso elevar a autoestima de uma mulher negra e vê-la se sentir empoderada. Hoje já vemos a aceitação do cabelo crespo e as tranças são uma ótima opção para quem ainda está deixando de alisar os cabelos”, afirmou Wynnie.
Indo contra a imposição de alisamento, o cabelo black power carrega uma história ligada ao movimento negro. Utilizado por homens e mulheres, o cabelo volumoso e com formato arredondado virou símbolo de identidade e resistência na década de 1960, quando se popularizou. Na época, integrantes do Panteras Negras – grupo que surgiu com a pauta de combate à violência policial contra negros e defendia o lema ‘Black Power’ (Poder Preto, em tradução livre) – traziam a discussão estética sobre o padrão de beleza eurocêntrico.
O pente garfo é muito utilizado para manter o cabelo black power, porém o item não é encontrado com facilidade como outros acessórios usados para pentear cabelos com outras texturas.
Em paralelo às discussões antirracistas envolvendo cabelos, os debates sobre a transição capilar – procedimento que resgata a textura natural dos cabelos – e valorização de cabelos crespos e cacheados têm crescido nos últimos anos. Mas é importante destacar que o uso do cabelo natural não deve ser uma obrigação ou imposição entre as mulheres negras e quilombolas. As mulheres são livres e nesse ponto o que vale é o livre arbítrio.