Foto: CTB/Reprodução

Nós temos um presidente que disse abertamente que talvez não irá respeitar o resultado de nossas eleições.  Eleito diversas vezes para cargos legislativos também, ele faz falsas acusações para criar um clima de insegurança que é propício a um golpe de estado.

Ao seu lado, temos Forças Armadas que estão acusando as urnas eletrônicas, conhecidas em todo o mundo por sua confiabilidade, de não serem seguras.

Bom, são atores que louvam o golpe militar de 1964.

Temos que estar prontos para possíveis sabotagens, desde urnas até redes de transmissões elétricas ou de informações, para um candidato que pode  reclamar vitória antes do fim da contagem dos votos, tentar parar a contagem, ou se recusar a aceitar uma eventual derrota. 

Há quem ache que tenhamos virado o ponteiro da tentativa de golpe de “possível” para “provável”. De todo modo, precisamos nos preparar. 

Necessitamos de planos, ideias e ações para ajudar a evitar um possível golpe. Esse site, por exemplo, faz um excelente trabalho de propor alternativas e resistências a um eventual putsch.

O que trazemos aqui vem do acúmulo de uma iniciativa chamada “Choose Democracy” [Escolha a Democracia] que prepara as pessoas para a possibilidade de um golpe.

Estas diretrizes são extraídas do amplo conjunto de experiências e evidências dos muitos países que passaram por um golpe desde a Segunda Guerra Mundial. Você pode ler alguns estudos de caso mais completos em Choose Democracy ou um manual mais longo baseado em evidências para este momento em “Hold the Line”: Um Guia para a Defesa da Democracia”.

1. Chame um golpe de estado de “golpe de estado”

Uma razão para usar a linguagem de um golpe é que as pessoas sabem que ele é errado e uma violação das normas democráticas – mesmo que não estejam familiarizadas com a definição exata de um golpe.

Temos que estar prontos para declarar em alto e bom som: Isto é um golpe de estado.

Se nos encontrarmos em uma situação de golpe precisamos ajudar as pessoas a ajudar nosso país a entrar em um estado de “ruptura psíquica”, de entender que isso não é normal.

Saberemos que é um golpe de Estado se o governo:

  • Parar a contagem dos votos;
  • Deslegitimar o resultado das urnas;
  • Adiar a eleição;
  • Certificar alguém vencedor que não obteve o maior número de votos;
  • Permitir a permanência no poder de alguém que não venceu a eleição.

Estas são algumas das linhas que não podem ser cruzadas. Caso sejam, as pessoas têm que poder entender de imediato.

Os golpistas sempre afirmam que estão fazendo isso para salvar a democracia ou afirmam que conhecem os resultados “reais” das eleições. Portanto, não necessariamente precisa ter tanques nas ruas e oposição presa em massa para ser um golpe – o golpe do Congresso e de Temer em Dilma Rousseff que o diga. 

Se algum desses princípios for violado, temos que declarar em alto e bom som: é golpe!

2. Lembre-se: golpes já foram interrompidos por pessoas comuns

Tentativas de golpe já aconteceram em todo o mundo e mais da metade falhou. Golpes de Estado são difíceis de orquestrar. Eles são uma violação das normas que exigem a rápida apreensão de múltiplos níveis das instituições de uma só vez sob uma premissa falsa. 

Os golpes tendem a falhar quando as instituições governamentais (como as eleições) são confiáveis; há uma cidadania ativa; e outras nações estão prontas para se envolver.

O papel da cidadania é crucial. Isso porque durante o período logo após uma tentativa de golpe – quando o novo governo afirma que é o governo “real” – todas as instituições têm que decidir a quem ouvir.

Um golpe de Estado falhado na Alemanha em 1920 nos dá um bom exemplo. A população se sentia abalada pela derrota na Primeira Guerra Mundial e pelo alto desemprego. Os nacionalistas de direita organizaram um golpe e conseguiram a ajuda de alguns generais para confiscar edifícios do governo. O governo deposto fugiu, mas ordenou a todos os cidadãos que os obedecessem. “Nenhuma empresa deve funcionar enquanto a ditadura militar reinar”, declararam.

A resistência generalizada e não-violenta começou rapidamente. As gráficas se recusaram a imprimir os jornais do novo governo. Os funcionários públicos se recusaram a cumprir qualquer ordem do golpe. E folhetos pedindo o fim do golpe foram espalhados por avião e à mão.

Há uma história do líder golpista vagando pelos corredores procurando em vão por um secretário para digitar suas proclamações. Os atos de resistência cresceram e eventualmente o governo democrático (que ainda tinha problemas graves) foi devolvido ao poder.

Os momentos após um golpe são momentos de heroísmo entre a população em geral. É assim que tornamos a democracia real.

3. Esteja pronto para agir rapidamente – e nunca sozinho

Normalmente, as tomadas de poder pela força são organizadas em segredo e lançadas repentinamente. A maioria das campanhas que derrotam os golpes o faz em dias: Na União Soviética, em 1991, demorou três dias. A França tardou em 1961 quatro dias e a Bolívia em 1978 levou 16 dias para conter o golpe. 

A ação direta em massa pode ser a única maneira de impedir que Bolsonaro roube os resultados das eleições. É raro que o líder de qualquer país admita publicamente que pode não respeitar os resultados de uma eleição. Há algo que nos ajuda nisso: porque as pessoas que param os golpes raramente têm a chance de receber treinamento, advertência ou preparação. Dessa forma, podemos nos preparar. 

Nos EUA, a iniciativa Transition Integrity Project realizou múltiplas simulações sobre as eleições dos EUA, tais como o que poderia acontecer se Biden ganhasse por uma margem estreita ou se Trump simplesmente declarasse a vitória quando não houvesse um vencedor claro. Em cada simulação eles concluíram que uma “manifestações massivas nas ruas podem ser decisivas”. As pessoas fazem a diferença. 

Para começar a se preparar, fale com pelo menos cinco pessoas que iriam às ruas com você – a maneira mais segura de ir às ruas é com quem você conhece e confia. Converse com pessoas que você conhece no serviço público e na rua. Aproveite o tempo para se preparar para agir.

4. Foque em valores democráticos amplamente compartilhados, não em indivíduos.

Na Argentina, em 1987, um golpe começou quando um major da Força Aérea, ressentido com as tentativas de democratizar os militares e colocá-los sob controle civil, organizou centenas de soldados em sua base.

Enquanto o governo civil tentava negociar um acordo, as pessoas saíam para as ruas. Contra o apelo do governo, 500 pessoas marcharam até a base com o slogan “Viva a democracia! Argentina! Argentina!”. Eles poderiam ter passado algum tempo atacando o major. Ao invés disso, eles estavam apelando para seus concidadãos a escolherem a democracia.

O major tentou mantê-los afastados com um tanque, mas os manifestantes entraram na base de qualquer maneira. Ele sabia que disparar abertamente sobre civis não-violentos faria com que ele perdesse mais credibilidade. Logo 400.000 pessoas saíram às ruas de Buenos Aires para se manifestarem em oposição ao golpe.

Isto deu força ao governo civil. Organizações cívicas, a igreja católica, grupos empresariais e sindicatos de trabalhadores se uniram sob um compromisso de “apoiar de todas as formas possíveis a Constituição, o desenvolvimento normal das instituições de governo e a democracia como único modo de vida viável”. Os golpistas perderam sua legitimidade e logo se renderam.

Esta abordagem é diferente daquelas dos manifestantes que vão para a rua com uma lista de problemas ou uma queixa contra um líder odiado. Em vez disso, a mobilização está exaltando valores democráticos centrais amplamente compartilhados. Em nosso projeto, usamos a linguagem de “escolher a democracia”.

Isto reafirma outra descoberta da nossa pesquisa: como os golpes de Estado são um ataque à instituição atual, os democratas – que podem nunca se juntar – estão abertos para se unir em ações na rua. Isto, claro, é mais fácil se fizermos o convite sobre os valores democráticos com os quais todos podem se conectar.

5. Convencer as pessoas que ficar parado ou paralisado não é a solução

Imagine que em seu trabalho um chefe corrupto é demitido e um novo chefe chega. Em vez de sair, seu antigo chefe diz: “Eu ainda estou no comando. Faça o que eu digo”. Um grupo de seus colegas de trabalho diz: “Só recebemos ordens do antigo patrão”. Nesse ponto, surge a dúvida.

E é essa dúvida que os golpes usam para serem bem sucedidos. Basta a gente congelar e pronto. Mesmo quando apenas uma parte das pessoas se alinha com o golpe e o normalizam, o restante pode vir a aceitá-lo como “inevitável”.

Os golpes não são um momento para apenas assistir e esperar até que “outra pessoa” descubra que ele é errado. Não importa quem você é, você pode fazer parte da escolha pela democracia. 

6. Realize ações que representem o Estado de Direito, a estabilidade e a não-violência.

 Parar um golpe depende do tamanho das mobilizações e da conquista de quem está no meio. É uma luta pela legitimidade. Qual voz é legítima? Algumas pessoas já terão tomado uma decisão. O objetivo, então, é convencer aqueles que estão indecisos- o que pode ser um número mais surpreendente do que se espera.

 Para trazê-los para nosso lado, esse centro indeciso tem que ser convencido de que “nós” representamos estabilidade e “os golpistas” representam hostilidade às normas democráticas.

Historicamente, o lado que mais recorre à violência tende a perder. Em um momento de incerteza, as pessoas escolhem o lado que promete máxima estabilidade, respeita as normas democráticas e parece ser a aposta mais segura. É uma disputa de quem pode ser o mais legítimo.

 A resistência em massa aos golpes de Estado tem como táticas vencedoras: protestos pacíficos, greves, recusa de ordens e paralisação da sociedade civil até que o líder democraticamente eleito seja empossado.

7. Foque na calma, não no medo.

É assustador acreditar que estamos tendo que falar de um golpe militar E sabemos que é menos provável que pessoas com medo tomem boas decisões.

Então, busque a calma. Seja uma fonte confiável, através da verificação dupla de rumores e da divulgação de fatos de alta qualidade. Claro, leia as mídias sociais… mas passe algum tempo, você sabe, fazendo coisas reais que o fundamentam. 

Respire fundo.

Lembre-se de como você lida com o medo. 

Pense em cenários, mas não seja capturado por eles. 

Estamos fazendo isso para nos prepararmos. Estamos nos precavendo. E podemos vencer.

Daniel Hunter é autor de livros como “Manual de Resistência Climática” e “Construir uma movimento para abolir a nova Lei Jim Crow”, além de ser gestor de treinamento global na 350.org.

(Publicado originalmente em 14 de setembro de 2020 no site Waging NonViolence)

 

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