Por Ariel Bentes

Criar espaços de comunicação também é pensar na formação de comunicadores. Conversamos com Énois – Laboratório de Jornalismo, a Abaré – Escola de Jornalismo e o Coletivo Jovem Tapajônico para saber mais

Coletivo de Jovens Tapajônicos fazem reunião em uma escola l Foto: Divulgação

Com o objetivo de fortalecer a comunicação e a informação nas periferias, aldeias e quilombos, coletivos têm criado oficinas e cursos para que moradores, principalmente jovens, possam contar as histórias dos seus próprios territórios. A Énois – Laboratório de Jornalismo, a Abaré – Escola de Jornalismo e o Coletivo Jovem Tapajônico são três exemplos disso. A  primeira atuando nas periferias de São Paulo, a Abaré trabalhando em escolas públicas de Manaus e, por último,  o Coletivo Jovem Tapajônico, formando jovens de Santarém.

Entre estas organizações, a mais antiga entre elas é a Énois que já acumula mais de 10 anos de trajetória. Fundada pelas jornalistas Amanda Rahra e Nina Weingrill, a Énois é um laboratório de jornalismo que trabalha com três grandes frentes: jornalismo e territórios, diversidade nas redações e o projeto Prato Firmeza, um guia gastronômico das quebradas. 

Atuando de forma horizontal, a organização criou a Caixa de Ferramentas que contém manuais, modelos de pauta e outros materiais que podem ser utilizados por qualquer coletivo ou comunicador que deseje estruturar um espaço de formação. 

Conversamos com estas três iniciativas que nos ajudaram a listar, a partir das suas diferentes vivências, cinco dicas de como criar espaços de formação em comunicação.

“Procure quem são as pessoas que querem lutar por algo com você”, diz Jullie Pereira, da Abaré l Foto: Divulgação

Passo 1: Olhe ao seu redor 

Antes de tudo, é importante que você e seu grupo identifiquem os seus incômodos, quais são os desafios e problemas do seu território mas, principalmente, observem e ouçam os moradores. Walter Kumaruara, do Coletivo Jovem Tapajônico, lembra que ele e os demais fundadores do grupo decidiram fazer uma pesquisa com professores, estudantes e pais das escolas da região. A pesquisa foi feita antes de o coletivo realizar a sua primeira oficina. 

“Nós queríamos que os jovens aprendessem mais sobre as histórias e  políticas das comunidades locais e pudessem repassar isso através da comunicação. Recebemos vários áudios e textos dos moradores e a partir daí montamos as nossas formações”, conta Walter.

Com atuação na cidade de Santarém, mais precisamente nas aldeias, comunidades e quilombos da região do Rio Arapiuns, o Coletivo Jovem Tapajônico trabalha com educação e comunicação popular promovendo oficinas de audiovisual, política, meio ambiente e território. “Só é visto como educador quem tem diploma, nós não temos e queremos valorizar a educação popular. Queremos incentivar que as pessoas reflitam sobre o seu próprio território”, diz o fundador do coletivo. 

A mesma orientação é dada por Isabela Alves, articuladora de comunicação e gestão de comunidades da Énois, que aponta o Mapa Afetivo como uma ferramenta que pode ser usada para quem quer criar seu projeto de comunicação. Ele pode ser utilizado para mapear o quanto você conhece o território e quais são as necessidades dele. “É muito importante ouvir a sua comunidade. Às vezes a gente quer trabalhar com organizações gigantescas e esquece que a gente tem vizinho”, afirma Isabela.

“Queremos incentivar que as pessoas reflitam sobre o seu próprio território”, diz Walter Kumaruara, do CJT l Foto: Divulgação

Passo 2: Crie uma rede 

Segundo Isabela, após identificar as necessidades daquele território, o próximo passo é procurar pessoas que querem o mesmo que seu grupo. Busque contatos e monte uma rede de pessoas que tenham denominador comum e que possam trabalhar juntos, cada um com a sua habilidade e função, na produção e execução das atividades. 

Sobre essa rede de contatos, Jullie Pereira, diretora administrativa da Abaré – Escola de Jornalismo, lembra que ao idealizar a escola ela refletiu sobre o que mais a indignava no cenário jornalístico do Amazonas e quem eram as pessoas à sua volta que tinham a mesma reivindicação.

“No caso da Abaré, pensamos ‘O que mais me revolta é a transfobia no jornalismo local’ e ‘Os ataques sofridos por jornalistas no Amazonas’, por exemplo. Falamos sobre educação, mas também estamos falando de ativismo. De uma revolta. Procure quem são as pessoas que querem lutar por algo com você”, ressalta Jullie.

A Abaré – Escola de Jornalismo é um coletivo de jornalistas e comunicadores que atua no combate à desinformação no Amazonas e na promoção do jornalismo local por meio de oficinas e palestras sobre educação midiática. “Nós trabalhamos de forma voluntária há dois anos e o nosso maior desafio tem sido a questão administrativa e financeira. Mas queremos avançar e atender os jovens de outros municípios do estado”.

Passo 3: Esteja atento a linguagem e crie estratégias

Com oficinas sobre política, o Coletivo Jovem Tapajônico enfrenta o desafio de apresentar para o público das comunidades conceitos e termos técnicos de forma mais simples e de fácil compreensão. Para Walter Kumaruara, estudar e pensar como e para quem o conteúdo é um exercício de criatividade que precisa ser feito. “Pensar a linguagem é importante e é necessário ter paciência e tempo para fazer isso”, ressalta. 

Muitos desses trabalhos se dão inicialmente de forma voluntária, como é o caso do  Coletivo Jovem Tapajônico e da Abaré. Ambos têm buscado recursos financeiros e lutado para manter as ações dos coletivos. Jullie afirma que com o trabalho voluntário a organização precisa desenvolver atividades que os integrantes gostem de trabalhar, além de estabelecer estratégias que facilitem a execução dessas ações. O objetivo é facilitar a rotina dos integrantes e engajar mais pessoas na realização das oficinas. 

“A Abaré tem oito pessoas que fazem um trabalho voluntário fixo, mas é complicado fazer isso sem recursos. Por isso é importante começar a fazer pelo o que você faz e que tem um déficit na sua cidade. Nós temos um planejamento pedagógico e planos de aula que vamos adaptando de acordo com o público, isso tem ajudado”, disse Jullie. 

Passo 4: Defina Metas

Para criar um coletivo ou organização, é essencial que você liste quais são os desafios a serem enfrentados durante a execução do projeto. Faça perguntas como: “Quantas horas diárias eu posso me dedicar a este trabalho?”, “Quais são habilidades que eu e meus colegas não possuem e que serão necessárias?”, “Que ferramentas serão indispensáveis nas formações?” e “Como será feita a captação de recursos?”. 

Com os desafios listados, reflita sobre como eles podem ser enfrentados e quais são as metas da organização. Pense o que você quer para o coletivo a curto, médio e longo prazo, dessa forma, você poderá visualizar e planejar cada passo do grupo. Não deixe também de definir prazos, pois irá ajudar a pensar como cada objetivo estabelecido será alcançado.

 

Para Pereira, da Abaré, um planejamento financeiro e pedagógico é essencial para a viabilidade do projeto à longo prazo l Foto: Divulgação

Passo 5: Estabeleça um canal de comunicação 

Com a equipe formada, estabeleça um canal de comunicação. Liste e apresente para o grupo quais são as opções, seja ela e-mail, grupo no Telegram e Signal ou outra ferramenta de comunicação. Reflita qual canal faz mais sentido para a organização e não deixem de considerar qual deles é mais seguro. Também esteja atento na criação de senhas e etapas de segurança para as redes sociais e canais de comunicação do coletivo.

Nas reportagens “Meu perfil nas redes foi invadido. E agora?’’ e “Como usar o Signal”, ambas publicadas na Escola de Ativismo, veja como você pode se proteger na internet. 

Além disso, combine com os integrantes do coletivo reuniões periódicas onde as formações podem ser construídas. Estas reuniões podem ser online ou presenciais e são fundamentais para o grupo ter uma comunicação mais próxima e clara.  

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