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Temos saída? Desafios e alternativas para o campo progressista após as eleições de 2024

A reportagem conversou com três parlamentares jovens para trazer pontos de vista sobre o enfrentamento à extrema-direita e o fortalecimento das pautas sociais

Quem ainda não ouviu ou leu nos últimos meses que “a esquerda precisa se reinventar”, que “a comunicação da esquerda precisa melhorar”, ou que “pautas identitárias tem afastado as pessoas do campo progressista” certamente esteve afastado das redes sociais. Os resultados das eleições de 2024 revelaram um sucesso de partidos considerados de centro, ou centro-direita, não só em cidades do interior do Brasil, como em capitais importantes para o cenário político-econômico do país.

Para alguns parlamentares que vivenciaram as eleições de 2024, há caminhos possíveis para fazer o enfrentamento necessário à extrema-direita, que passam pela mudança de discurso, estratégias de alcance para fora das bolhas e  retomada do encantamento das pessoas pela política.

Breve cenário pós-eleições de 2024

De acordo com levantamento feito pelo Poder 360, os grandes campeões de prefeituras nas eleições de 2024 foram o PSD (891 vitórias), MDB (864 vitórias) e o PP (752 vitórias), partidos considerados de centro ou de direita (GPS Ideológico da Folha de S. Paulo). O PSD, por exemplo, elegeu o prefeito de Belo Horizonte/MG, Fuad Noman, e Eduardo Paes, também do partido, venceu em primeiro turno no Rio de Janeiro/RJ. Já o MDB venceu em cidades importantes como Belém/PA, com Igor Normando e em São Paulo/SP, com Ricardo Nunes.

Partidos considerados de direita também não se saíram mal. O PL de Jair Bolsonaro chega a 2025 com 517 prefeituras, o União Brasil (fruto da união do DEM com o PSL) venceu em 591 cidades e o Republicanos, ligado à Igreja Universal, tem 440 municípios no comando até 2029. O PL, mais à direita, fez prefeitos em 4 capitais: Aracaju, com Emília Corrêa, Cuiabá, com Abílio Brunini, Rio Branco, com Tião Bocalom, e Maceió, com João Henrique Caldas – que venceu em 1º turno com 83% dos votos válidos.

Por outro lado, os partidos e federações do campo de esquerda ou centro-esquerda amargaram números bem menos expressivos. É o caso do PSB, com 312 prefeituras, PT, com 252, e PDT com 151. Entre as capitais, o PT venceu somente em Fortaleza, com o candidato Evandro Leitão, e o PSB reelegeu João Campos como prefeito de Recife em vitória histórica, com 78,1% dos votos válidos no 1º turno. 

Ao fazer um paralelo com os resultados do Brasil, o republicano de extrema-direita Donald Trump venceu as eleições norte-americanas e voltou à presidência dos Estados Unidos, após quatro anos de gestão do democrata Joe Biden. Trump retorna a Casa Branca com a promessa de realizar deportação em massa, desfinanciar escolas que abordam questões de crítica racial ou de gênero e aumentar a produção de combustíveis fósseis no país. 

Prefeitos eleitos nas capitais confirmam tendência à direita e extrema-direita l Dados: TSE

Trump venceu não só no Colégio Eleitoral, em que alcançou 312 votos (o mínimo para vitória é de 270), como também venceu no voto popular, com 50% dos votos, enquanto a democrata Kamala Harris saiu do pleito com 48,3% dos votos populares e 226 no Colégio Eleitoral.

Chamas que acendem 

Ativistas e pessoas progressistas no Brasil e no mundo têm se perguntado: há esperança apesar destes resultados? Qual o melhor caminho a seguir? De que forma é possível fortalecer o campo democrático, promover avanços sociais e frear o crescimento da extrema-direita?

O cenário é preocupante, mas existem figuras dentro da política institucional que estão resistindo bravamente para barrar os retrocessos e trazer à pauta debates urgentes, como desigualdade de gênero e raça, acesso à educação de qualidade, a importância de planejar cidades preocupadas com as mudanças climáticas, de promoção das infâncias.

Para entender diversos pontos de vista, a reportagem conversou com parlamentares progressistas que disputaram as eleições de 2024, buscando trazer suas visões quanto às possibilidades que os campos de esquerda e centro-esquerda têm no Brasil para os próximos anos e o que pode ser feito para não retroceder.

Iza Lourença (PSOL) – Belo Horizonte/MG

Com 21.485 votos, Iza Lourença, do PSOL, foi a 3ª vereadora mais votada nas eleições de 2024 em Belo Horizonte (MG) e a primeira mulher negra a ser reeleita na capital, triplicando sua votação. Iza tem 31 anos, é mãe, bissexual, comunicadora social pela UFMG, vem da periferia da capital e construiu sua militância a partir dos movimentos estudantil e feminista.

Para a vereadora reeleita em 2024, o campo da esquerda precisa se conectar com as candidaturas, e isso perpassa não só pela identificação, mas também pela solidariedade. Iza defende que os mandatos devem ser consequência de um trabalho territorial coletivo.

“A gente tem aqui no Barreiro (distrito de Belo Horizonte) o movimento Flores de Resistência, de mulheres das vilas da região que lutam pela dignidade menstrual, e ao lutar pelo direito de ter um absorvente, elas debatem sobre o direitos reprodutivos, sobre direito ao próprio corpo, sobre direito sexual e elas vão entendendo que elas não estão aqui nessa vida só para reproduzir. A gente tá aqui nesta vida para poder viver!”

“Então quando a gente diz que a gente luta pela liberdade, que nós somos feministas, quando a gente faz esse trabalho de solidariedade e diz para as pessoas ‘eu sei do problema que você tá passando de não ter um absorvente, de não ter fralda para o seu filho. Eu tô aqui com você, eu vou te ajudar para a gente conseguir isso e eu vou te ajudar fazendo todos os debates importantes de como essa situação é injusta’”.

A vereadora também argumenta sobre a importância de garantir a participação popular para que as políticas sociais não sejam esvaziadas e para que o país não seja entregue à extrema-direita.

“Lula fez um decreto em março do ano passado garantindo a distribuição de absorventes em farmácias populares, foi um grande avanço pra gente. Agora eu preciso pensar também quais condições eu tô dando para essa mulher poder debater politicamente para se inserir nas discussões e conhecer as lutas que acontecem sobre seus direitos.”

“Eu acho que algo que o Lula deveria apostar é na participação popular. Eu percebo que das eleições de 2022 até as eleições de 2024, nós temos as pessoas mais conservadoras, ainda achando que o que as atrapalha são as feministas, as pessoas LGBT, as cotas raciais… Então se a gente não tiver uma discussão mais profunda com as pessoas sobre racismo, direitos trabalhistas, direitos das mulheres, respeito à diversidade, a gente corre o risco de ter em 2026 um novo governo fascista no Brasil.”

Quando questionada sobre as possibilidades de aliança que o campo progressista pode traçar na política institucional, de forma estratégica para ocupar espaços e avançar, Iza diz que deve haver um limite. 

“Corremos um risco mesmo de uma parte da esquerda ir para o centro com certas alianças e adaptações de discurso, e eu acho que, para a disputa de consciência que a gente precisa fazer hoje no Brasil, isso é um erro. Existem limites para a aliança, que eu acho que é com quem defende direitos trabalhistas e direitos democráticos. Não tem condições de compor com partidos que não defendem direitos democráticos e com partidos que acham que os trabalhadores têm direitos demais, que a gente precisa retirar direitos.”

Guilherme Cortez (PSOL) – Franca/SP

Guilherme Cortez é deputado estadual pelo PSOL em São Paulo, e foi candidato a prefeito de Franca nas eleições de 2024, ficando em terceiro lugar, com 14,65% dos votos. Guilherme é natural de São Paulo, capital, mas formou-se em Direito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) no campus de Franca. Foi eleito em 2022, aos 24 anos, mesmo não sendo, segundo ele, uma prioridade do partido naquele momento.

Cortez também é fruto do movimento estudantil, e contou que, quando chegou na cidade para iniciar os estudos da graduação, vivenciou um “cenário de terra arrasada” do campo da esquerda. Vindo da efervescência das ruas durante as jornadas de junho de 2013, da organização dos movimentos sociais da capital paulista e avanço dos debates sobre direitos e diversidade, foi um choque inicial estar em uma cidade em que a esquerda estava fora do tabuleiro da política institucional.

“Acho que isso me ajudou a ter destaque, porque num lugar em que você tinha poucas lideranças sociais, eu já muito jovem comecei a organizar muita coisa, organizei a greve na Unesp, a greve geral em 2017, a campanha do PSOL da Prefeitura em 2016, sem ter nenhuma experiência com isso, organizei o diretório do PSOL, e com isso fui me tornando uma referência numa cidade em que a esquerda, principalmente em 2016, já tava enterrada. Nesse processo de reafirmação da esquerda de 2016, 2017 para cá, culminou que em 2020 eu tenha sido o 4º candidato a vereador mais votado da cidade e não fui eleito apenas porque o partido não fez quociente eleitoral, mas tive a maior votação da esquerda desde 2000.”

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 30% da população do país vive em municípios com mais de 500 mil habitantes, e somando as estimativas de população das capitais a partir do Censo de 2024, tem-se que mais de 77% da população brasileira não vive nas capitais. Esses números são importantes para demonstrar a importância de promover os ideais e as lutas progressistas no interior do país, e que os partidos e organizações políticas também se empenhem nessa construção. Cortez continua sua avaliação:

“Existe um desinteresse das cúpulas dos partidos de esquerda pela disputa do interior. Eu até entendo o motivo num jogo de custo-benefício. É uma conta matemática: os partidos querem investir a maior parte do seu fundo partidário ou da agenda dos seus deputados em São Paulo, onde se pode eleger 10 vereadores ou que se pode até eleger um prefeito, ou investir em fortalecer uma candidatura em Restinga, que é uma cidade de 8.000 habitantes?  A questão é que a gente não pode fazer política só olhando pro curto prazo, se não a esquerda nunca vai governar o estado de São Paulo, ou Minas Gerais. Para vencer nos maiores colégios eleitorais do país você precisa passar pelo interior. Existem poucas figuras na esquerda que hoje buscam fazer esse trabalho no interior.”

“No interior a lógica é outra. A dimensão é menor, as pessoas se conhecem mais, portanto as coisas são vistas como se estivessem na lupa. Então a conveniência política é diferente, a politização é diferente. Se você pegar o mapa de eleição de vereadores e de prefeitos de 2024, você fala ‘nossa, São Paulo é um estado ultraconservador’ e pode até ser, mas ter essa conclusão apenas pela legenda que as pessoas se candidatam nas câmaras não é um bom termômetro. Existem muitas pessoas em cidades pequenas que se candidatam não para enriquecer, são pessoas bem intencionadas, lideranças comunitárias que têm uma perspectiva de estado social, e que por falta de alternativa se filiam a partidos da direita, porque eles são mais garantidos de se eleger.”

Guilherme defende que o campo da esquerda deve voltar a fazer campanhas que mexam com o sentimento de esperança e que gerem entusiasmo da população. Para ele, exemplos de lideranças políticas que conseguiram fazer isso em 2024 são Natália Bonavides (PT), de Natal/RN, e João Campos (PSB), de Recife/PE.

“Acho que a esquerda tem que ser mais autêntica. Se o bolsonarismo ‘enverga’ a vara para um lado e conquista as pessoas, sem ter vergonha de mostrar o que eles pensam, a esquerda deveria fazer o mesmo. Falta à esquerda um projeto capaz de convencer e empolgar as pessoas. O João Campos vai para o centro e consegue empolgar. Não defendo a política dele, mas a maneira como ele consegue mobilizar as pessoas dialoga, ele aponta um projeto que dá esperança. A Natália Bonavides, por outro lado, é uma nova liderança que aponta mais para a esquerda, e que também consegue mobilizar. Boa parte da esquerda fala de dados, e isso é importante, mas não dá para você se apoiar só nisso enquanto a extrema-direita vende fantasia e motivação. O grande desafio é mostrar para as pessoas como viver em um mundo com mais igualdade, com carbono zero, com o meio ambiente equilibrado são coisas positivas.” 

Bia Bogossian (PSD) – Três Rios/RJ

Bia Bogossian (PSD) foi reeleita para seu segundo mandato como vereadora em 2024 na cidade de Três Rios/RJ, sendo a 4ª mais votada do município. Bia tem 27 anos, é jornalista, com mestrado em Administração Pública, fez parte do DCE da PUC e se formou politicamente pelo RenovaBR. Se define como uma pessoa social-democrata, avessa “aos extremos” da política e acredita que foi eleita em 2020 por ser símbolo de uma possibilidade de renovação, por ter estudado e se preparado para ocupar o cargo de vereadora. 

Na sua primeira eleição, foi candidata pelo PSB, partido considerado de centro-esquerda, do qual ela foi filiada de 2016 a 2024, e se filiou ao PSD, mais à direita, em 2024. “Foi por pragmatismo e faz parte do interior, né? A gente não tem partidos de esquerda muito fortes, e aqui eu não consegui montar a nominata sozinha, então não consegui continuar no PSB. Estou no PSD, mas o que me alegra e me deixa mais tranquila, é que o PSD tem uma vertente mais à esquerda no estado do Rio, acho que pelo Eduardo Paes (prefeito do Rio), hoje apoiar o Lula. Me questionam por estar no PSD, que o partido vai interferir no mandato, mas isso não acontece. Mandato de vereador, no interior, não tem ninguém querendo interferir. Seria diferente se fosse o mandato de um deputado, aí o debate é outro…”, conta.

 

Para Bia, a extrema direita não se fortalece tanto defendendo questões políticas e econômicas, mas sim na pauta de costumes. A vereadora argumenta que é preciso pensar em outra estratégia de comunicação. 

“Penso um pouco nesse caminho ‘Janonista’ e do que o André Janones traz como estratégias de comunicação, se rendendo aos padrões até da extrema-direita, em uma guerra de narrativa. Que consiga conquistar e trazer mais aliados de uma maneira mais popular. Acho que a gente de centro-esquerda e esquerda fica em um discurso um pouco mais acadêmico, mais distante da base… É preciso voltar a comunicar com as pessoas que estão acreditando nesse falso discurso da extrema-direita, de valores falsos. A gente tem que pensar em estratégias para viralizar, mas sem abandonar as pautas.”

 

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Letícia Queiroz

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Maria Paula Monteiro

É jornalista pela UFMG, vive em Belo Horizonte e é ativista feminista e LGBTQIAPN+. Passou pelas redações da RecordTV Minas e do Jornal Estado de Minas. Entusiasta do jornalismo de causas, focado na defesa dos direitos humanos, atua como instrutora de treinamentos para comunicadores em ferramentas Google para jornalistas pelo Instituto FALA!.

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