Sérgio Amadeu da Silveira – Doutor em ciência política, professor da UFABC, criador e apresentador do podcast Tecnopolítica
O único sentido de continuar atuando nas plataformas das Big Techs está em combater o discurso da extrema direita e não permitir que ele se amplie sem contraposição. Como essas plataformas concentram atualmente a maioria das verbas publicitárias do país, elas conseguem atrair as pessoas que buscam entretenimento e relacionamentos cotidianos. A ampla maioria das pessoas só se interessam pela política em poucos momentos. Não podemos deixá-las apenas ouvir ou receber o discurso das forças reacionárias. Segundo a pesquisa sobre o uso da internet no Brasil em 2024, realizada pelo Comitê Gestor da Internet, 81% das pessoas com mais de 10 anos utilizam redes sociais online no país. Sem dúvida, não devemos ter ilusão alguma que os donos das redes controladas pelo Grupo Meta, pelo Alphabet e outras redes ligadas ao Vale do Silício atuarão para beneficiar as forças da extrema-direita no Brasil.
Essas redes nunca foram neutras, nunca foram defensoras das liberdades democráticas, muito menos da nossa Constituição. Atuam em diversos países, incluindo o Brasil, em consonância com parlamentares reacionários para impedir a regulamentação democrática de suas operações. Não aceitam a transparência algorítmica, não querem se submeter à vontade das maiorias, não aceitam bloquear conteúdos negacionistas, racistas, misóginos, pois as narrativas exageradas, agressivas, principalmente espetaculares dão maior visualização e permitem que as pessoas fiquem mais tempo nas plataformas. Isso permite que os seus sistemas algorítmicos coletam mais dados de cada usuário e aprimore os perfis de cada pessoa colocando-as em amostras que são vendida para a publicidade e para a venda de serviços. Espetacularização e monetização são os princípios que guiam os algoritmos das redes de relacionamento das Big Techs.
Precisamos desincentivar o uso dessas plataformas. Mas, devemos encontrar alternativas. Temos condições tecnológicas de superar os dispositivos tecnológicos e as arquiteturas autoritárias e restritivas das redes de relacionamento. Para isso, precisamos de construirmos novos arranjos que devem partir da cultura. Nosso problema para montar alternativas às Big Techs não está na falta de conhecimento técnico, mas na falta de um projeto de futuro que enfrente o sistema capitalista perverso e desigual. Precisamos reunir a força cultural da nossa sociedade em projetos tecnoculturais. Podemos apostar na tecnodiversidade. Sem isso, não atrairemos recursos para desbancar o poder descomunal das Big Techs. Temos que lutar pela hegemonia cultural e por um mundo em que os jovens tenham futuro. A extrema direita oferece como futuro, o fundamentalismo religioso e a volta a um passado de violência de controle absoluto dos corpos pelos coronéis do patriarcado, a submissão das meninas e mulheres, a colonização do espaço para devastar ambientalmente novos mundos. É a reprodução do velho colonialismo racista e violento em tempo do playboy Elon Musk. Assim, nossa estratégia deve ser dupla. Utilizar pragmaticamente as redes sociais das Big Techs para conter o avanço do neofascismo e apostar principalmente em novas plataformas federadas, coletivas e que superem o vigilantismo imposto pelo capitalismo de dados.
Não devemos apostar em fazer o mesmo que as Big Techs fazem. Imitando fascistas nos tornamos iguais a eles. A estética das Big Techs apostam em um mundo somente individualista, cínico, concentrador. Temos que aprender com os povos originários, temos que criar novos arranjos, extrair do senso comum a sua criatividade não-conservadora e apostar uma recombinação dialética que teste novas possibilidades de interação e comunicação. Fazer redes sociais que se baseiem em cliques como critério de verdade, em sensacionalismos, em espetacularização não nos tornará diferentes.
O fato de andarmos o tempo todo com celulares nos coloca o tempo todo à disposição das Big Techs. Essas corporações exploram gatilhos emocionais que chamamos de gatilhos de atenção. O objetivo dessas empresas é nos tornar viciados em suas estruturas de relacionamento. Por isso, temos que voltar a nos reunir, a criarmos horas de leitura coletiva, jogos coletivos, saraus de poesia, coding dojo para enfrentarmos problemas tecnológicos em conjunto… enfim, a dimensão digital não pode aprisionar a dimensão presencial.
Nossos corpos são físicos, nossos afetos e nossos abraços são mais importantes do que cliques. Não podemos ficar refém de mediadores de IA e formatadores da nossa cognição. Muitos adolescentes não conseguem mais concentrar a atenção porque são prisioneiros do minuto, do nano conteúdo. Temos que conversar em todos os coletivos sobre o uso das redes e dos mecanismos de dependência e de controle das subjetividades que as Big Techs criaram”.