Por Luiza Ferreira

Coletivo de mulheres coloca questão de gênero na dianteira no debate sobre o clima e organiza a resistência climática no Pará

A Rede nasceu em 2021 e hoje tem o seu trabalho focado na ampliação da discussão da elaboração de políticas socioambientais de maneira condizente com a realidade da população paraense l Foto: Arquivo Rede Jandyras

“São as mulheres que mais sofrem com os problemas ambientais e climáticos, como desastres naturais, desmatamento, poluição e com a falta de políticas socioambientais. É nítido que as mulheres estão na linha de frente de pautas importantes na sociedade, desempenhando um papel crucial na gestão e conservação dos recursos naturais, principalmente nas comunidades rurais e tradicionais”.

É assim que a ativista e educadora popular, Waleska Queiroz apresenta a magnitude do desafio encarado por ela e pela Rede Jandyras, do qual ela faz parte. A rede é composta por um grupo de mulheres dedicado a discutir os efeitos da crise climática na cidade de Belém, no estado do Pará. 

Antes mesmo de integrar a Rede Jandyras, Waleska já atuava com a Educação Ambiental. A importância da relação humana com a natureza e o meio ambiente sempre esteve presente no seu trabalho, ela explica. Waleska, que é natural de Terra Firme, periferia de Belém (PA), antes mesmo de ingressar na Universidade, já movimentava articulações em projetos aplicados em escolas e comunidades vulnerabilizadas do Pará.  

‘Não consigo falar de mim sem referenciar que sou filha de mãe solo e a primeira da família a ingressar no ensino superior e obter o título de bacharel em Engenharia Sanitária e Ambiental pela Universidade Federal do Pará”, explica, lembrando de sua longa trajetória de doze anos como voluntária de projetos socioambientais em diversas organizações. 

Surge um enxame

Atualmente as Jandyras são quase 30 mulheres que participam do projeto cada uma à sua maneira, com a missão de fortalecer a inserção das mulheres no debate político sobre questões socio-ambientais. A Rede nasceu em 2021 e hoje tem o seu trabalho focado na ampliação da discussão da elaboração de políticas socioambientais de maneira condizente com a realidade da população paraense, apontando os problemas locais e os reflexos da crise do clima. 

Em 2021, a ONG Mandi (antiga Ame o Tucunduba) promoveu uma formação online e gratuita com o nome de Jandyras – do tupi “abelha de mel” – que contou com a participação de 40 mulheres. Após a formação, as participantes foram convidadas a construir coletivamente a Rede Jandyras: esse enxame de 20 mulheres plurais da cidade Belém, de diversas idades, vivências e identificações, que toparam o desafio e hoje compõem uma rede dedicada a pensar maneiras de enfrentar a crise climática, de maneira interseccional. 

“Hoje incidimos diretamente nos espaços de tomada de decisão de Belém e almejamos que esses ambientes sejam cada vez mais ocupados por mulheres, ainda assim, acreditamos que há uma longa jornada de desafios pela frente”, comenta.

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 A Agenda Climática para Belém foi o primeiro projeto articulado pela Rede Jandyras, e consiste na sistematização de dados sobre problemas territoriais locais e no que tange à crise climática e seus impactos na cidade e na população local. O acesso à água e saneamento básico, direito à cidade e à habitação social, justiça racial e ambiental, infância e clima e mobilidade urbana são os principais eixos da Agenda.  

“Para esse primeiro projeto, contamos com o apoio de uma coalizão da HIVOS VAC (Vozes Pela Ação Climática) composta por três organizações: ONG Mandí, Clima de Eleição e Movimento Moara. A agenda climática foi entregue a todos os vereadores da câmara municipal de Belém e oito deles se comprometeram em implementar as propostas contidas na agenda”, acrescenta Waleska.  

Entre as propostas, está o Fórum Climático Municipal, que foi aprovado em dezembro de 2021, no orçamento do plano plurianual de Belém. Belém do Pará, que detém hoje os piores índices de acesso à água e saneamento básico, se configura como um território potencialmente vulnerável aos impactos das mudanças climáticas, como reforça a ativista. Por isso a urgência da promoção de debates que possam fortalecer a agenda climática.  

Em 2022, a Rede lançou a campanha “Fórum Climático Já”, para reivindicar transparência e participação de ONGs, coletivos, universidades e cidadãos interessados na pauta, no processo operacional de execução do Fórum, que está sendo trabalhado pela Rede em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA). 

“Hoje incidimos diretamente nos espaços de tomada de decisão de Belém e almejamos que esses ambientes sejam cada vez mais ocupados por mulheres”, diz a ativista Waleska Queiroz l Foto: Arquivo Pessoal

Recorte de gênero

São muitas as consequências da crise climática global, e as mulheres estão entre os grupos mais vulneráveis às mudanças climáticas. Um relatório do Women in Finance Climate Action Group apresenta uma constatação dolorosa: 80% das pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas são mulheres. Mesmo sendo a segunda maior metrópole da região Norte do Brasil, a cidade de Belém não possui nenhum plano para mitigar ou discutir soluções para a emergência climática. É nesse sentido que a Rede Jandyras surge como uma potencializadora da construção coletiva de políticas públicas que possam contemplar e direcionar o olhar para a realidade das mulheres paraenses.  

Para Waleska, é importante que as mulheres participem ativamente dos processos tomada de decisão, mas para além de ocuparem esses espaços, é preciso construir “novas perspectivas sob o olhar feminino no cenário político”, reforçando novas abordagens para a elaboração de políticas públicas de fato inclusivas e eficazes. 

No entanto, ela reconhece que esse é um processo longo, especialmente no Brasil, o que se deve a limitação da presença de mulheres na política ambiental brasileira. Esse se configura como um dos grandes desafios para a atuação da Rede Jandyras, visto que esses espaços políticos são usualmente dominados por homens. 

Entre outros desafios, está a falta de recursos financeiros e segurança, que acabam impactando na realização das atividades e na implementação de projetos importantes.  

“Continuamos lidando com as mesmas problemáticas que destaquei acima, mas acreditamos que a gestão atual do governo propicia um cenário mais oportuno para continuarmos atuando e pressionando os governantes a se comprometerem de forma efetiva com as pautas socioambientais e climáticas”, diz. 

A falta de acolhimento do ambiente político para as mulheres é um problema potencial, que desencoraja o engajamento feminino com as questões ambientais, muito embora sejam elas as mais afetadas.  Para Waleska, os desafios são diários. Superar essa situação só é possível “através da adoção de medidas que promovam a igualdade de gênero, ampliem a inserção de mulheres nos espaços de poder e assegurem o acesso à elas à tecnologias que promovam o seu engajamento em questões ambientais”, finaliza. 

Luiza Ferreira é jornalista.

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