Evento anual aconteceu em Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia, e teve como tema “De mãos dadas por justiça socioambiental para salvar a Casa Comum”
Por Letícia Queiroz- 12/07/2024
Povos e comunidades tradicionais em plenária na 47ª Romaria na Bahia | Foto: Helenna Castro – CPT Bahia
Devoção, ativismo, cultura, protagonismo dos povos e comunidades e debates sobre territórios e destruição ambiental marcaram a 47ª edição da Romaria da Terra e das Águas. O evento aconteceu em Bom Jesus da Lapa, no oeste da Bahia, e teve como tema “De mãos dadas por justiça socioambiental para salvar a Casa Comum”. Inspirados por caminhadas de luta e resistência, diversos povos participaram de momentos de celebração, partilha, reflexão e estratégias políticas em favor dos direitos fundamentais dos povos.
A Romaria aconteceu entre os dias 5 e 7 de julho. Nos três dias milhares de pessoas expressaram sua fé e fizeram reuniões para momentos de intercâmbios de realidades. O objetivo é, além de expressar a fé, compartilhar realidades e buscar caminhos e alternativas a partir da articulação desses povos, comunidades, organizações e vivências.
Uma carta escrita de forma conjunta chamou atenção para as injustiças que impactam as populações que vivem sob ameaças e em extrema vulnerabilidade. O documento pontuou os compromissos firmados pelos romeiros em busca da construção da justiça socioambiental.
“Protege-se a grilagem enquanto se criminalizam as lutas dos povos e comunidades por seus territórios. Não existem sinais de compromisso do Estado com a proteção ambiental, com a política de Reforma Agrária ou com a regularização e titulação de territórios quilombolas e de outras comunidades tradicionais. A demarcação e proteção dos territórios indígenas continua praticamente paralisada e a Lei 14.701/2023, que instala de forma autoritária a tese do Marco Temporal, continua em vigor apesar de sua evidente inconstitucionalidade”, informa o documento.
A carta também afirma que “posições políticas e reacionárias de extrema-direita, sustentadas pelos poderes econômicos e pelo fundamentalismo religioso, avançam em nosso país e em outros lugares do mundo, comprometendo a garantia dos direitos humanos e a convivência democrática. Diante desta realidade desafiadora, e à luz da memória de todas e todos os que tombaram na luta pela terra, pelas águas e pela vida, nós, romeiros e romeiras da 47ª Romaria da Terra e das Águas, reunidos em Plenarinhos, reafirmamos nosso compromisso com a vida e com os territórios”.
“Entendemos que a força vem do protagonismo dos Povos e comunidades que com autonomia tem um outro jeito de conviver com a natureza superando o modelo desumano, violento, excludente, degradador e acumulador do capitalismo que na sua constante crise nega a vida em plenitude. Seguiremos no nosso engajamento a partir das periferias reais e existenciais, fortalecendo as variadas formas de (re)existências e retomada dos territórios, ao passo que nos uniremos na luta pela demarcação, pela Reforma Agrária, pelo fortalecimento da agroecologia e por uma democracia popular”.
Manifestações marcaram Romaria da Terra e das Águas | Foto: Thomas Bauer – CPT Bahia H3000
A carta é divulgada nas redes sociais e impressa para chegar a todos os territórios, incluindo os que não têm acesso à internet. Com a multiplicação das informações e dos compromissos, é possível cobrar melhorias e estimular grupos, em sua diversidade, a assumir esses os pontos acordados durante todo o ano. O objetivo é que esses compromissos se desdobram em ações concretas nas comunidades.
Essas e outras reivindicações embasadas no tema central da por justiça socioambiental estiveram presentes nas plenárias realizadas durante a Romaria. Cinco temas centrais importantes para os povos e comunidades tradicionais foram discutidos. A Justiça Socioambiental prevê que todos os grupos sociais, independente de raça, etnia, gênero ou classe social, tenham direito igualitário de acesso aos recursos naturais que são fundamentais para uma vida digna e saudável, como água limpa, solo fértil, ar puro.
Tânia, da Comissão Pastoral da Terra, que acompanha a Romaria há mais de 20 anos, disse que o evento é um espaço de intercâmbio onde os povos se encontram para falar de suas lutas, desafios e os problemas que têm enfrentado em suas comunidades.
“A Romaria proporciona espaços de trocas e um verdadeiro intercâmbio. O principal espaço de troca concreta são nos plenarinhos que contam com debates de temas específicos. Os espaços são para aprofundamento desse intercâmbio. Todas as pessoas que estão na luta sobre a terra falam sobre o que estão vivendo para encontrar estímulos e continuarem a luta. A Romaria é um ponto onde as pessoas se encontram, se realimentam de esperança, realimentam de fé, realimentam relações para continuar fazendo o que vinham fazendo”, disse.
Via Sacra durante Romaria teve protestos de comunidades tradicionais | Foto: Thomas Bauer – CPT BA/ H3000
Um dos temas em debate foi “Terra e Territórios protegidos e garantidos para salvar a Casa Comum!”. A discussão teve como inspiradoras a Mãe Bernadete e Nega Pataxó, duas mulheres ativistas que defendiam a titulação e regularização de seus territórios e foram assassinadas. O espaço de fortalecimento tratou do compromisso com o território e da necessidade de continuar exigindo justiça.
No último dia de atividades da Romaria, os participantes de todas as plenárias se encontraram na Gruta de Nossa Senhora da Soledade para a grande plenária, onde foram sintetizados os debates dos plenarinhos e elaborada a Carta da 47ª Romaria da Terra e das Águas.
O evento também foi marcado pela Via Sacra. A grande caminhada realizada por romeiros e romeiras pelas ruas de Bom Jesus da Lapa denunciou os conflitos e ataques sofridos nos territórios e reafirmou a resistência popular.
O Frei Alan Santana, de Itamaraju (BA), viajou acompanhando jovens que querem ter participação e representatividade em suas comunidades. Ele falou sobre atividades que envolvem a fé, a política e a cultura.
“Fazemos um trabalho para que esses jovens possam viver em sociedade e nas suas comunidades de maneira coletiva, acolhedora e participativa. O jovem precisa ter visibilidade e local de fala, mas para isso precisa de acolhimento a partir do que os jovens gostam de fazer. Culturalmente falando, temos as expressões locais e um projeto que visa que os jovens possam trabalhar a cultura através da música e do teatro”, disse.
O frei afirmou que a vida humana precisa ser reconhecida, respeitada e que é preciso haver acolhimento e solidariedade. “A Romaria assume uma importância entender realidades diferentes. E nós estamos de mãos dadas por um mundo melhor porque quando seguramos as mãos, nos fortalecemos”, disse Santana.
Milhares de pessoas participaram da 47ª Romaria da Terra e das Águas | Foto: Thomas Bauer – CPT Bahia H3000