Participação democrática: como ativistas e a sociedade civil podem pressionar candidatos antes, durante e depois das eleições

Ações estratégicas e coletivas são essenciais na luta por mudanças e na busca por uma sociedade mais justa e igualitária. Conheça métodos que podem funcionar nas eleições municipais de 2024.

Em um país marcado pela desigualdade, destruição ambiental e violações de direitos humanos, pressionar candidatos nas eleições é uma ação fundamental e democrática. Muitos ativistas podem optar pela via partidária, fortalecendo candidaturas com as quais se identificam. Mas existem outras formas de agir. Por isso, fomos conversar com ativistas mobilizadores da área para pensar como agir com estratégia e coletividade nas eleições e depois dela. Ou seja, como pressionar diversas candidaturas a se comprometerem agendas que valorizam os direitos humanos, o bem viver e o combate à desigualdade.  

As pesquisadoras ouvidas pela Escola de Ativismo afirmam que sem apelo e mobilizações da sociedade, o poder público não se movimenta. Mas na hora de pressionar candidatos para obter resultados, o quê, de fato, funciona? Manifestações, rodas de conversa, campanhas, tuitaços, lambe-lambes, abaixo-assinado e carta compromisso são algumas opções. No entanto, existem opções mais eficazes para fazer essas ações.

“Os candidatos e suas campanhas, em período pré-eleitoral, e no eleitoral, estão atentos ao que o eleitor quer. Monitoram redes, lêem jornais, se informam por pesquisas. Nós podemos incidir nesses espaços, mostrar aos candidatos que a população tem demandas a favor das causas que defendemos e que eles terão que colocá-las no seu discurso de campanha e nos representar, se eleitos”, explica Gabi Juns, comunicadora com experiência em campanhas eleitorais, socioambientais e por direitos, atualmente é diretora executiva do Instituto Lamparina

Juns, que implementou em 2022 uma estratégia política coletiva para aumentar a participação jovem e de mulheres nas eleições, afirma que a sociedade pode e deve participar da construção política e que o diálogo do eleitorado associado a algumas movimentações tem poder de pressionar candidatos de forma positiva. 

Em sua visão, táticas como o abaixo-assinado e a carta-compromisso, por exemplo, podem ter menor relevância. “Basta o candidato assinar e pronto, tira aquela ONG do meio do caminho. Eu prefiro táticas que nos colocam como segmentos da sociedade: nós mulheres queremos mais creches. Então, a tática pode ser uma carta assinada por muitas mães da cidade e divulgada pela imprensa, para que a opinião pública seja percebida”, exemplificou.

O que importa, segundo Gabi, é movimentar verdadeiramente as intenções de voto de parcelas da população durante o período eleitoral. Ações offline ou ações online, como uma chuva de comentários nas redes sociais dos candidatos da cidade, também são opções. Se houver recurso, grupos podem produzir uma pesquisa de opinião sobre determinado tema e divulgá-la, inclusive enviando para as campanhas eleitorais. 

“Precisamos olhar para a população da mesma forma que uma campanha eleitoral olha: dividindo em perfis de eleitores, os jovens da periferia, as mulheres evangélicas, os trabalhadores rurais, e por aí vai. Ao fazer isso, podemos produzir campanhas que movimentam a opinião desses segmentos nas nossas causas e aí sim, os candidatos que estão interessados nos votos deles, se sentirão pressionados a adotarem uma postura mais adequada ao que seus eleitores pensam”, afirmou Gabi Juns. 

 

Juns acredita que não compensa gastar tempo com extremistas. l Foto: Reprodução

E depois?

Como as nossas causas vêm de muito antes e seguem para muito depois de uma eleição, é válido pressionar todos os candidatos que possam nos escutar.

“Eu só não acho que vale a pena gastar energia e recurso para convencer extremistas de algo. Esses candidatos não são permeáveis, não adianta fazer nada. É melhor olhar para as pessoas que não são extremistas e têm intenção de votar neles e ajudar elas a pensar em opções mais equilibradas com seus valores. Uma pessoa política que nos represente tem que ter capacidade de representar muita gente, tem que ter um histórico de coletividade, vontade de estar a serviço da população, tem que ter visão de futuro, não só saber reclamar da cidade. Em termos de propostas, acredito que a visão de futuro da candidatura é o que mais me faz definir o voto: qual é o mundo que essa pessoa está trabalhando todos os dias para construir? Se você analisar assim alguns políticos, vai encontrar verdadeiras distopias em construção”, afirmou Gabi Juns. 

Brisa Lima da Silva, coordenadora de Incidência e Pesquisa do Instituto Marielle Franco, afirma que a pressão é importante para construir a cidade que queremos. Para ela, o importante é sempre ter em mente ações coletivas.

“Marielle Franco defendia que o benefício da política deve ser coletivo e não individual. A coletividade vem, não apenas porque o benefício de suas conquistas políticas valerá para toda a população de seu município, mas principalmente pela forma como, direta ou indiretamente, uma política pública é construída. Além disso, é nas construções coletivas que as resistências são tecidas e que podemos transformar as estruturas por um mundo mais justo e igualitário”, disse Brisa.

"devemos considerar candidaturas que sejam pautadas na defesa dos direitos humanos, que promovam o bem-viver", diz Brisa Lima da Silva.

Brisa explica que também é importante se atentar para a escolha dos candidatos, além de conhecer bem as funções de cada cargo e considerar as concepções e ideologias de candidatos/as e partidos. 

“É imprescindível votar de forma consciente e, portanto, devemos considerar candidaturas que sejam pautadas na defesa dos direitos humanos, que promovam o bem-viver para todas as pessoas e a preservação do nosso planeta. Também considero importante ampliar a representação política institucional de mulheres negras, LGBTQIA + e periféricas que atuam como lideranças coletivas em todo o Brasil. Mulheres negras ainda são sub-representadas na política. É importante observar o compromisso com o antirracismo e o antissexismo, assim como o compromisso com a democracia”. 

Mas a questão não se encerra com o voto: “É preciso construir e participar de atos e manifestações sociais, se engajar em campanhas e tuitaços em torno de reivindicações alinhadas aos direitos humanos, promover atividades culturais para mobilizar e convocar a juventude para o debate eleitoral”, disse. 

A advogada lembra que, apesar do calendário eleitoral, a política é realizada todos os dias com decisões e processos políticos que afetam efetivamente nossas vidas. Por isso as fiscalizações, cobranças e incentivos aos políticos devem ser feitos antes, durante e depois do período eleitoral. 

“É possível cobrar durante o processo eleitoral e, inclusive, organizar formas participativas e populares de construção das propostas e práticas políticas com as quais os/as/es candidatos/as/es podem se comprometer para as eleições. É nosso papel erguemos nossas vozes para construir futuros, traçar cenários políticos que possibilitem a adoção de medidas prioritárias para resolução dos problemas sociais e o enfrentamento a desigualdades e opressões”, explicou Brisa.

Agendas comuns

Outra forma muito eficiente de pressionar candidatos é apoiando agendas e plataformas de propostas e práticas políticas. O Instituto Marielle Franco, que defende o direito de mulheres negras em ocupar a política e realiza ações de pesquisa e incidência sobre violência política de gênero e raça no Brasil, lançou neste ano uma agenda programática. No material constam práticas e políticas antirracistas, feministas, populares e LGBTQIA+ para as eleições de 2024, com foco no legislativo e executivo municipais.  

Geralmente essas agendas apresentam conjunto de políticas públicas prioritárias fundamentais para determinados públicos, grupos, comunidades ou localidades (cidades, estados ou países). Com detalhes, justificativas, formas de implementação e exemplos do que já deu certo, o material é uma excelente forma de mostrar aos candidatos o que é básico, fundamental e urgente e que não pode ser negligenciado.

Outro exemplo interessante é o da Casa Fluminense, que pensa ações públicas com foco na redução das desigualdades e desenvolvimento sustentável para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A iniciativa lançou a Agenda Rio 2030 propondo pautas prioritárias para as eleições e construção de políticas públicas.

O material reúne 10 propostas pautadas nos diagnósticos e dados apresentados no Mapa da Desigualdade a partir das justiças climáticas, de gênero, racial e econômica. A sistematização foi feita a partir do diálogo com os territórios, lideranças sociais, especialistas, conselheiros, associados e toda a rede da Casa Fluminense.  Acesse aqui

Agenda Rio 2030 traz propostas para enfrentar desigualdade social

Foto: Reprodução

 

O objetivo é fazer com que governos locais criem, planejem e controlem a destinação de recursos públicos a partir de orientações feitas para a população sempre pensando no enfrentamento à desigualdade social na metrópole. 

Luize Sampaio, coordenadora de Informação da Casa Fluminense, participou da produção das Agenda Rio 2030 e explicou como o material é criado e trabalhado coletivamente a cada dois anos. 

“A gente lança a Agenda acompanhando o ciclo eleitoral. Na construção deste último material, com foco em candidatos a prefeitos e vereadores, pensamos no que é prioritário, no que não pode faltar nas cidades até 2030. Depois são realizados encontros com os candidatos a prefeitos e vereadores para debater, junto com lideranças dos territórios e especialistas, todas as questões apresentadas. É sempre uma conversa em que a gente faz um debate e entende como eles olham para essas propostas e como pensam isso dentro dos seus planos de governo”, explicou. 

Além das reuniões com possíveis representantes, rodas de conversa também são feitas com grupos de moradores. “A intenção é influenciar que a população comece a olhar para os candidatos, em quem pensam em votar, a partir das propostas. Isso vai mostrar se estão ou não dando atenção para pautas que são prioritárias”, explicou Luize. 

Especialistas mostram que é essencial saber lutar por mudanças estruturais e acreditar que a política pode ser instrumento democrático de transformação de realidades. 

Apesar das reivindicações, nem sempre as pautas são atendidas. Nesses casos é preciso avaliar mudanças de estratégias ou táticas. Antes de pensar em desistir, é essencial lembrar que todas as conquistas que temos foram conseguidas através da luta de ativistas de gerações anteriores.

“Não podemos abrir mão das reivindicações que garantirão nossos direitos. É preciso que neste cenário de crescimento do conservadorismo não deixemos de lado as reivindicações que garantirão as nossas vidas, as vidas das pessoas negras, indígenas, moradoras de favelas e periféricas, quilombolas, comunidades tradicionais, do campo, das águas e das florestas, pessoas com deficiência, trabalhadores em geral e pessoas LGBTQIAP+. Precisamos disputar mentes e corações para esta luta coletiva”, conclui Brisa.

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