Ainda que grande parcela não conheça o assunto (e, muito menos, a perspectiva pragmática/antagonista da não violência), 49,6% das OSCs consideraram o debate sobre a não violência “muito relevante e urgente” e 35% consideraram esse debate “relevante” – num total de 84,6%.
Segundo as organizações, o combate e o enfrentamento da violência justificaria por si só o debate sobre não violência, porque faz ressaltar as várias manifestações da violência e as diferentes maneiras de enfrentá-la. Aqui não violência e combate a violência permanecem em direta associação.
O outro motivo relevante para o debate é a ênfase no avanço e no horizonte finalístico das lutas. Mesmo organizações que vocalizam um viés crítico à não violência (com base no que entendem ser não violência) – como as que denunciam seu caráter fetichista e paralisador, por exemplo – consideram importante o debate em função da consecução da luta política. Outras organizações afirmam querer aproveitar o debate para abordar e compreender a contraviolência das classes e populações oprimidas e refletir sobre o uso da força e a efetividade e necessidade da violência em alguns momentos ou contextos. Outras ainda enfatizam a importância de se pensar, por meio da não violência, a ação política em caráter estratégico.
O debate sobre não violência tende a ganhar maior apelo em face do cenário de crescimento ou consolidação da extrema-direita, que opera, se mantém e se fortalece pela apologia do ódio e da violência. A consolidação da força da extrema-direita – verificado em todo o mundo – vem acrescentar novas exigências e desafiar as formas de ação política empregadas pela sociedade civil, especialmente devido ao modo como a violência política é franqueada e tratada como prática admissível e normalizável – embora este fenômeno não seja nem novo nem pouco frequente para um significativo conjunto de grupos e lutas nas periferias, campos e florestas do país.
A força da extrema-direita não só pode colocar em xeque as práticas não violentas de caráter empático/conciliatório, mais vocacionadas ao diálogo e ao acordo – ao eventualmente demonstrar sua recusa à negociação e ao entendimento comum, fazendo colapsar as tentativas de convergência e conciliação –, como pode também confrontar a própria natureza não violenta das práticas pragmáticas/antagonistas ao solicitar delas respostas mais duras e agressivas, dado o grau de violência com que a extrema-direita atua sobre pessoas e grupos vulneráveis, organizações e ativistas, em dinâmicas que podem escalar para atos de violência não-táticos e generalizados. Como se não bastasse, esse cenário também trouxe um desafio adicional: a apropriação, pelos grupos de extrema-direita, de métodos de ação tipicamente característicos da resistência civil e do ativismo não violento, num nível tal que, somente pelo uso das táticas (ocupações, marchas, ações simbólicas criativas etc), já pode não ser mais possível distinguir uns e outros.
Os dados e as análises apresentados no Estudo contribuem com tópicos para esse debate: a compreensão do conceito, as diferentes perspectivas de não violência, a reflexão sobre eficácia e força, os riscos da conciliação, as armadilhas da fetichização da não violência (e da violência) etc.
A maior contribuição do Estudo, no entanto, parece residir neste alerta: ativistas e organizações da sociedade civil não podem se dar ao luxo de não discutir ou desconsiderar perspectivas que oferecem resistência ativa à injustiça e à violência, com base em estratégia e táticas bem orquestradas. Não fazê-lo é parecer (ou se manter) frágil, fraco ou incapaz; é já chegar à luta derrotado.