Por Nicolò Wojewoda * – 26/01/2024
Adaptamos um texto sobre a crise do movimento climático europeu para nos ajudar a pensar em semelhanças e diferenças diante dos nossos próprios impasses e desafios
Na Espanha, a Alianza Contra la Pobreza Energética e a Enmedio empinaram pipas com rostos de pessoas afetadas pela pobreza energética sobre uma usina termelétrica em 11 de junho de 2023, exibindo suas reivindicações nas caudas das pipas. l Foto: Alianza Contra la Pobreza Energética
Para pessoas como eu, que estão entre as menos afetadas pela crescente crise climática e ocupam a posição privilegiada de serem remuneradas para encontrar uma maneira de abordá-la, há momentos que evidenciam a realidade e a urgência do aumento das temperaturas globais médias. Agosto de 2023 foi um desses momentos e um gatilho para uma profunda reflexão.
Eu scrollei por inúmeras contas de redes sociais italianas, vendo muitos vídeos e imagens chocantes de tempestades em Veneto (atingidas por pedras de granizo do tamanho de maçãs), tornados em Milão, incêndios florestais varrendo todo o mapa da Sicília, e ouvi histórias dos meus pais na minha cidade natal em Úmbria, que estavam enfrentando temperaturas de 40 graus Celsius à sombra.
Diante de tudo isso, perguntas surgiram: “O que estou fazendo a respeito disso? Estou fazendo o suficiente? Deveria estar fazendo algo diferente?” Em seguida, eu entrei no modo profissional e pensei de maneira semelhante: “Como nossa equipe ou organização deve responder a isso? Devemos manter nosso caminho atual ou fazer algo diferente? Sabíamos que impactos como esses estariam chegando, então o que isso está mudando, se é que está mudando, a abordagem do nosso trabalho?”
A Cruz Vermelha na Grécia ajudando nos esforços de evacuação durante um incêndio florestal na ilha de Rodes em julho de 2023. l Foto: Facebook/Cruz Vermelha Helênica
Nos últimos dez anos, liderei o trabalho da 350.org na Europa e tenho dedicado grande parte dos meus pensamentos e esforços a como construir um movimento mais forte. Refletindo sobre esse período, meus questionamentos se expandiram ainda mais. Comecei a me questionar se nós, enquanto movimento climático – cidadãos preocupados, ONGs, grupos de base, o que você chamaria de sociedade civil – estamos fazendo o suficiente neste momento aqui na Europa.
Eu não tenho dúvidas que os governos, em sua maioria, não estão fazendo nem perto do que é necessário, mas estamos exercendo pressão suficiente sobre eles? Estamos levando essa realidade e urgência até as suas portas? Estamos envolvendo pessoas o suficiente para agir e intensificar essa pressão, modificando os sistemas, cultura, políticas, recursos financeiros e outras partes do quebra-cabeça que precisam ser alteradas para fazer uma diferença significativa no maior problema do nosso tempo? Mas, mais importante, estamos fazendo isso de maneira menos ou mais eficaz do que antes, e onde há espaço para melhorias?
Estava tudo bem, até deixar de estar
Nos últimos dez anos, aproximadamente, desde os preparativos para o Acordo de Paris até hoje, o movimento climático obteve grandes avanços ao colocar a crise climática no radar do público em geral. Na última pesquisa do Eurobarometer, “93 por cento dos cidadãos da União Europeia veem as mudanças climáticas como um problema sério”.
O movimento também alcançou progressos significativos ao vincular as emissões de combustíveis fósseis à crise climática. Muitas pessoas agora compreendem que agir em relação ao clima significa fazer a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis. Isso é uma grande conquista: para além da nossa “bolha” no movimento, as pessoas reconhecem que temos um problema, entendem o que o está causando e, de maneira geral, sabem como resolvê-lo.
Em 2019, marcou-se o pico mais recente no impulso do movimento. Mobilizações impactantes lideradas pelo Fridays for Future e Extinction Rebellion moldaram a política europeia nas eleições de maio para um novo Parlamento Europeu. Em setembro daquele ano, aproveitamos essa onda crescente de preocupação pública, e a 350.org ajudou a coordenar a maior mobilização climática da história, com 7,6 milhões de pessoas nas ruas ao redor do mundo.
A Greve Global pelo Clima em Londres em Março de 2019. l Foto: Flickr/Garry Knight
Foi então que a energia diminuiu. A pandemia de COVID tomou o centro das atenções em 2020 e dificultou a capacidade do movimento de existir e promover mudanças, especialmente no que diz respeito a reuniões presenciais e participação em ações coletivas públicas. Em 2021, a 350.org ofereceu um espaço para reunir forças e aproveitar a oportunidade de reconstruir nossas economias, por meio de seu Encontro Global para uma Recuperação Justa.
À medida que o movimento estava recuperando o seu impulso novamente no início de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia e outra crise global se desdobrou. A interrupção significativa no fornecimento de gás nos ofereceu uma oportunidade para repensar as fontes de energia da Europa. No entanto, os governos, fortemente pressionados pelos interesses dos combustíveis fósseis, nos conduziram na direção oposta impulsionando a extração de gás e a infraestrutura de produção.
A crise energética, apesar do aumento descontrolado do custo de vida, não enfraqueceu a pressão pública para a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis. O problema é que a base de apoio público a fim de impulsionar a mudança na escala necessária não se ampliou e não evoluiu de um apoio passivo para ação ativa.
Analisar os bastidores do movimento climático, compreendendo seus atores e relações, pode ajudar a explicar o porquê.
Nos bastidores: um movimento fraturado
Quando as pessoas fora do movimento pensam sobre o movimento climático nos dias de hoje, elas veem, na maioria das vezes, diferentes grupos que compartilham em grande parte uma abordagem semelhante — Letzte Generation (Última Geração) e Just Stop Oil (JSO – Apenas Parem com o Petróleo).
Um bloqueio do Letzte Generation em Berlim em junho de 2022 l Foto: Wikimedia/Stefan Müller
Grupos do tipo JSO realizam um trabalho importante. Eles conseguiram manter as questões climáticas nas manchetes nos últimos anos, com uma constante sequência de ações de desobediência. Eles forneceram uma possibilidade de atuação para pessoas que desejam agir de acordo com a escala da crise em que nos encontramos. Eles também consolidaram um formato e uma marca de maneira que é replicável, de fácil acesso e prontamente identificável.
No entanto, um movimento climático com organizações como a JSO como sua única ponta visível não se expande efetivamente além de sua base. É um movimento que se expõe a batalhas constantes contra o establishment político e midiático que não somos capazes de vencer. Isso permite que políticos e comentaristas frequentemente escolham a dedo as ações da JSO como representativas do movimento como um todo, retratando-os como hippies extremistas, ingênuos e contrários aos interesses dos trabalhadores.
Uma mensagem mais enfática de “precisamos abandonar os combustíveis fósseis” é mais necessária do que nunca. Ao mesmo tempo, ela traz retornos decrescentes em termos de eficácia na construção do apoio público e na motivação das pessoas para agir. Uma tática de desobediência civil é tão fundamental quanto sempre foi, mas está sujeita à banalização quando sua utilização mais difundida não está conectada a uma estratégia mais ampla de levante popular (de autoria não reivindicada). Seu uso isolado corre o risco de prejudicar mais do que ajudar as comunidades que ela diz apoiar.
Na parte menos visível do espectro, encontramos outros grupos de base dentro do movimento por justiça climática. Grande parte deles está em uma posição defensiva, tendo que lutar contra toda a nova infraestrutura de combustíveis fósseis. No entanto, há também pouca energia, capacidade ou visão para a coordenação europeia entre eles, com a possível exceção de uma coordenação anti gás cada vez mais eficaz, e uma cooperação internacional em torno da campanha StopEACOP.
Os poucos projetos que tentam gerar algum tipo de convergência do movimento europeu (por exemplo, by2020weriseup, End Fossil ou Climate Justice Action) não têm obtido sucesso – com visibilidade e impacto limitados além dos círculos do movimento. A coordenação europeia é mais necessária do que nunca, e, ao mesmo tempo, não me recordo de um período na última década em que grupos em toda a Europa estivessem mais isolados uns dos outros.
O Fridays for Future não recuperou o impulso que tinha em 2019. Embora tenha participado de uma intervenção estratégica crucial junto a ONGs e outros grupos de base para interromper os fluxos financeiros para combustíveis fósseis e tenha construído alianças importantes na Alemanha com sindicatos de transporte sob a bandeira da campanha #WirFahrenZusammen (Nós Viajamos Juntos). Enquanto isso, na França, Les Soulèvements de la Terre, ou Earth Uprising, e Dernière Rénovation conseguiram incorporar muita energia do movimento e realizar mobilizações em massa disruptivas com apoio público. Mas, além da onda internacional de apoio contra a reação das autoridades francesas que os rotularam como “eco-terroristas”, essas são histórias de sucesso que não conseguiram ultrapassar as fronteiras nacionais.
Quanto a outros grupos no movimento, mesmo quando realizamos trabalhos que superam os desafios mais amplos que nosso movimento enfrenta no momento, o impacto é em pequena escala e não consegue adquirir o tipo de ressonância nacional ou internacional que grupos do tipo JSO conseguem – e incluo nisso a 350 em si, que certamente tem espaço para melhorias consideráveis.
Sendo sincero: eu aplaudo cada pessoa, grupo ou rede no movimento mais amplo que parte para a ação. Não cabe a mim dizer se suas táticas ou estratégias estão certas ou erradas, esse tipo de avaliação, e quaisquer ajustes que se sigam, só podem ocorrer por meio de autorreflexão e profunda deliberação, e não em artigos de opinião. A decisão da Extinction Rebellion do Reino Unido em 2023 de mudar significativamente sua abordagem, priorizando “relações sobre bloqueios de estradas”, é um excelente exemplo dessa autorreflexão sendo feita publicamente (e mudanças adicionais podem ocorrer, após deliberações recentes).
Eu acredito firmemente no princípio da “diversidade de táticas”, em sua conotação não violenta. Minha abordagem é mais do tipo “sim, e…” do que um julgamento raso dizendo a qualquer grupo específico o que fazer ou não fazer. Mas o equilíbrio de esforços, a forma como se conectam entre si e interagem, seus papéis diferentes em um ecossistema de movimento coeso, e como esse ecossistema como um todo redesenha as suas fronteiras — é aí que há uma oportunidade para a mudança.
Em outras palavras, o trabalho árduo e significativo de todos não está sendo integrado de maneira eficiente em um esforço mais amplo, e a realidade política na qual estamos realizando esse trabalho torna isso ainda mais desafiador.
A repressão da direita ao ativismo climático
É uma verdade consagrada no movimento climático que um dos maiores obstáculos para a ação climática e o progresso em direção a uma vida mais justa e sustentável em nosso planeta são os governos de direita e de extrema-direita. Sabemos por quê: em alguns casos, eles estão repletos de negacionistas declarados das mudanças climáticas, amplificando e apoiando a campanha de desinformação de décadas conduzida pela indústria de combustíveis fósseis. Eles têm tentado convencer o público de que está tudo bem e que não há motivo para interromper a expansão contínua e o consumo de combustíveis fósseis.
Em outros casos, adotam as vestes mais sutis dos procrastinadores climáticos – professando a importância de abordar a crise climática em sua retórica, mas na realidade defendendo uma abordagem mais “pragmática”. Na Europa, frequentemente os vemos usando a crise do gás como desculpa para apoiar a expansão da infraestrutura de gás fóssil.
Grupos do tipo JSO são vistos como um pretexto fácil para reprimir o movimento como um todo — especialmente as comunidades mais marginalizadas, onde a repressão atinge com mais intensidade.
Igualmente preocupante, à medida que governos de direita e extrema-direita assumiram o poder ao redor da Europa, surge outro padrão emergente em sua abordagem — a mais significativa repressão ao ativismo climático que já testemunhamos. Sentimos isso através do aumento da vigilância e prisões preventivas, sentenças mais severas e o uso de retórica perigosa que intensifica a divisão pública e estimula comportamentos hostis contra ativistas climáticos. Observamos isso de maneira mais evidente nas restrições cada vez mais significativas ao direito de protestar.
Isso nos afeta a todos, quer estejamos marchando pela ação climática ou por qualquer outra causa progressista. E coloca o maior fardo sobre as pessoas corajosas das comunidades marginalizadas que lideram a luta por justiça social e econômica — desde o projeto de lei policial mais recente no Reino Unido até operações policiais na Alemanha, França e além. Grupos do tipo JSO são geralmente os primeiros alvos. Eles são vistos como um pretexto fácil para reprimir o movimento (e outros movimentos progressistas) como um todo — especialmente seus grupos mais marginalizados, onde a repressão atinge com mais intensidade.
Então, de uma perspectiva externa, quando o movimento climático está competindo por atenção e apoio no espaço público, enfrenta três desafios:
- As ameaças pessoais e os riscos de tomar ações mais intensas estão mais altos do que nunca.
- Durante um período de crises sobrepostas, o movimento precisa lidar com a demanda por estabilidade, segurança e continuidade apresentada pelas forças políticas no poder. (Eles argumentam que “este não é o momento para mudar radicalmente como obtemos nossa energia e impulsionamos nossas economias.”)
- As forças parlamentares progressistas que poderiam ser veículos para uma alternativa radical estão enfraquecidas, com partidos de centro-esquerda se transformando cada vez mais em versões mais aceitáveis dos partidos de direita e, portanto, incapazes e relutantes em resistir a essas mudanças de cenário.
Como o nosso movimento responde a esses desafios?
Repensando o movimento climático
Movimentos liderados por aqueles que são mais afetados pelo problema são os mais fortes. Isso eu sei e acredito ser verdadeiro — até mesmo uma breve análise dos últimos séculos da história humana nos mostra isso. Nas últimas décadas, nosso movimento aqui na Europa tem passado por uma mudança fundamental e contínua para reconhecer que as comunidades na linha de frente no Sul Global são os líderes dessa luta. Essas comunidades fizeram o mínimo para causar a crise, mas estão sofrendo o máximo e estão respondendo a ela com poder e criatividade.
Historicamente na Europa, nossas preocupações com o clima têm sido em grande parte teóricas, ao contrário de serem o resultado de experiências vividas. E isso tem sido expresso principalmente por uma demografia branca, de classe média, urbana, de ambientalistas — certamente no que se refere à visibilidade, estratégia e financiamento. As partes do movimento que refletem e expressam as visões de uma base mais diversa e que buscam uma abordagem interseccional, baseada em uma experiência vivida de injustiça, ainda não fazem parte do mainstream. Eles ainda são marginalizados no que diz respeito a quais vozes são ouvidas, quem detém poder e recursos, e quem define a direção mais ampla do movimento.
Recentemente, no entanto, testemunhamos outra mudança fundamental e contínua. Os impactos climáticos, na Europa, estão se manifestando mais próximos e impactantes do que nunca. Agricultores e pescadores lidam com impactos nas colheitas e na pecuária. E pessoas em todos os lugares — especialmente aquelas mais vulneráveis devido à idade, saúde, condições de vida e econômicas — estão vendo suas vidas e meios de subsistência sendo destruídos por ondas de calor e inundações. Trabalhadores no setor dos combustíveis fósseis observam ansiosos e esperam enquanto seus horizontes de carreira são dramaticamente encurtados — sem apoio das gigantes do petróleo e gás que os empregam e continuam a obter lucros recordes.
Ativistas marcham diante do Parlamento em Londres com faixas da Energia para Todos em junho de 2023. l Foto: Twitter/Fuel Poverty Action
A base, ou pelo menos a base em potencial, de todos aqueles que consideramos como os mais afetados pela crise climática, tem estado em mudança. Em agosto de 2023, as linhas de frente do movimento climático estão em Vanuatu, onde planos estão em andamento para realocar dezenas de comunidades para terras mais seguras. E, em uma escala muito menor, elas também estão nos incêndios florestais que assolam a Sicília, nas regiões da França onde temperaturas congelantes sem precedentes estão destruindo extensas áreas de vinhedos, e nas casas de aposentados em Manchester que não conseguem pagar para manter o aquecimento ligado durante o inverno.
Essas são as novas linhas de frente da crise climática em nosso continente, e não acredito que nosso movimento tenha totalmente internalizado essa mudança fundamental em seus limites. Pessoas de cor, aquelas com renda mais baixa e outras comunidades marginalizadas são as que sofrem esses impactos primeiro e de maneira mais intensa.
Isso não é uma denúncia, é um convite para um movimento diferente.
Isso significa que uma das perguntas estratégicas mais importantes que precisamos nos fazer agora é: Como podemos nos conectar e organizar com essas linhas de frente, amplificar suas vozes, fortalecer seu poder e expandir a concepção de quem está na ponta visível de nosso movimento?
Para que nosso movimento tenha sucesso, precisamos ampliar nosso escopo garantindo que comunidades dessas linhas de frente tenham o espaço e os recursos para liderar, criar estratégias e sejam os principais representantes de nossa visão coletiva. Precisamos de um compromisso renovado com campanhas que ofereçam uma visão alternativa concreta, radical, mas alcançável para nossa economia baseada em combustíveis fósseis. Uma que trate da nossa transição de combustíveis fósseis para energias renováveis, e também da questão do acesso e da viabilidade financeira da energia. Uma visão e um caminho em direção a comunidades resilientes, que se adaptem de maneira mais eficaz à devastação cada vez maior que as temperaturas crescentes causarão em nosso continente e em outras regiões.
E sejamos honestos, essa abordagem requer mais do que apenas o movimento liderando sua própria transformação. Exige que financiadores e ONGs bem estruturadas assumam a responsabilidade por seu poder — e decisões tomadas com esse poder — que moldaram nosso movimento. Eles devem direcionar recursos para grupos e redes que personifiquem essa mudança, estabeleçam conexões entre diferentes questões, realizem uma articulação profunda com as comunidades de linha de frente e estejam conectados por uma estratégia abrangente do movimento, capaz de atingir uma grande escala. Dessa forma, na próxima vez que as empresas de energia anunciarem lucros trimestrais recordes, não serão apenas os grupos climáticos habituais que irão protestar com indignação, mas sim uma ampla revolta com a participação de pessoas que têm mais a perder e a ganhar com o funcionamento do nosso sistema de energia.
O que é necessário para recuperar o impulso e a força vai além de uma nova injeção de energia e determinação diante dos desastres climáticos que se desdobram e nos desanimam. Em vez disso, é preciso uma reconsideração verdadeira de quem compõe o movimento climático, quais são as questões que ele aborda, como ele abraça essas novas linhas de frente e de que maneira suas diferentes partes se relacionam entre si. Isso não é uma denúncia, é um convite — para um movimento diferente.
Uma configuração de movimento que nos dá uma chance decente de ter sucesso deve se parecer com isso:
- Uma ampla aliança não vinculada de organizações setoriais que regularmente e visivelmente perturbam a vida pública, exigindo uma mudança radical de ritmo e direção na abordagem do governo à crise energética e climática. Isso seria uma mistura de sindicatos de trabalhadores e outras organizações de membros da sociedade civil. Imagine o Women’s Institute no Reino Unido, a AVIS na Itália, o Deutscher Alpenverein na Alemanha, o sindicato de serviços públicos FNV Overheid na Holanda e até mesmo os membros do clube de futebol Barcelona. O ponto é: Um pequeno número de líderes de grandes organizações com membros alinhados em torno de uma estratégia de movimento voltada para o público resultaria em grandes manifestações de pressão pública não atribuíveis a qualquer organização ou líder “causador de problemas” específico.
- Um grupo coordenação flexível, para garantir coerência com cronogramas, narrativa e símbolos do movimento para ações devidamente integradas e disruptivas. Isso poderia incluir pessoas-chave nessas organizações, juntamente com pessoas e grupos que atuam na interseção de vários espaços no movimento — por exemplo, entre ONGs, grupos de base, sociedade civil e financiadores. Esse grupo deve trazer uma análise global para a luta e ter as conexões globais para vincular os esforços dos movimentos europeus a outras atividades em movimentos em outros lugares, incluindo ações concretas de solidariedade contra empresas europeias e financiamento que perpetua a destruição causada por combustíveis fósseis no exterior. Alguns grupos em níveis nacionais tentaram (e estão tentando, como o Ende Gelände na Alemanha em seu mais recente conceito arrojado) algo semelhante. Outros aliados do movimento, como os Gastivistas, têm realizado trabalhos inovadores na conexão e educação de grupos que trabalham nas áreas de custo de vida, energia e crises climáticas em toda a região. A 350.org desempenhou um papel de convocação ou liderança em espaços regionais e globais semelhantes no passado, e poderíamos fazê-lo novamente.
- Uma escola europeia de desobediência climática, talvez com a JSO ou grupos similares usando a sua expertise em organizar treinamentos em massa para membros de organizações e outras pessoas do público em geral.
- Espaço digital para acolhimento e integração, que forneça um “kit básico” para pessoas dispostas a se envolver e agir. Em seguida, os convidaria a se conectar aos grupos indicados no movimento que possam ser os mais adequados para suas habilidades, interesses e localização geográfica. Algo desenvolvido com a experiência do Green New Deal Rising no Reino Unido (cujas chamadas de boas-vindas e processo geral de integração são alguns dos mais eficazes que já vi no movimento).
- Frentes organizadas e fortes conexões de confiança entre elas e ONGs. Grupos na Europa já se organizaram ao longo das novas fronteiras do movimento que tenho descrito. Grupos como Alianza Contra la Pobreza Energética na Espanha, que surgiu da organização de inquilinos e está trabalhando na interseção de questões de energia e moradia. Ou grupos no Sul Global, como os Pacific Climate Warriors, cujo papel de liderança influenciou um apelo governamental em toda a região do Pacífico para energia renovável com a comunidade no centro das decisões.
- Uma operação profunda e devidamente financiada de organização e desenvolvimento de lideranças, que realize o trabalho minucioso e complexo de construir relacionamentos com as novas comunidades na linha de frente. Um grupo de organizadores que alinhem visões, realizam trabalhos de educação política e apoiam o desenvolvimento de lideranças dentro dessas comunidades para se tornarem líderes no movimento como um todo. Um esforço que se conecte com as frentes organizadas e ajude a deslocar o centro de gravidade do movimento em direção a elas. Isso trará esses esforços de organização local para uma rede ou, pelo menos, fornecerá conexões e apoio.
- Um núcleo de organizações de pesquisa/política/defesa de interesses que levam as demandas do movimento para os espaços políticos, garantindo que, apesar de adotarmos uma diversidade de táticas e abordagens, nossa atuação interna e externa esteja conectada, alinhada e coordenada.
Este esboço é menos um plano detalhado e mais um mapa a ser explorado. Demandará nossa capacidade coletiva de nos distanciar do momento atual, de nossas próprias áreas de foco, e olhar para o quadro geral para reavaliar a jornada que estamos trilhando.
O movimento climático do passado não terá sucesso contra os desafios atuais
Precisaremos refletir sobre o peso relativo das diferentes partes do nosso sistema. Por exemplo, será necessário um equilíbrio de táticas diferente ao longo do movimento? Em diferentes fases do ano? Também devemos considerar as partes onde precisamos construir e celebrar pontos fortes em comparação com aqueles onde precisamos abordar criticamente as fraquezas. Teremos que reimaginar nossa identidade coletiva, passando de “ativistas” para uma nova linguagem que descreva a base mais ampla de pessoas aqui na Europa com interesses muito pessoais que dependem do sucesso do movimento.
Por meio de suas relações e estrutura, precisaremos tornar nosso movimento mais resiliente e adaptável às próximas crises. Simplesmente não podemos arcar com retrocessos toda vez que um novo evento catastrófico de saúde ou geopolítico assuma o centro do palco.
As fases do movimento climático dos anos anteriores não são os movimentos que terão sucesso na luta hoje. Não será apenas o movimento climático de “manter abaixo de 1,5 graus”, nem apenas o movimento climático de “manter os combustíveis fósseis no chão”, e também não apenas aquele que nos ajudou a vencer contra as usinas de carvão ou alcançar proibições ao fracking (fraturamento hidráulico).
Precisamos ser tudo isso e também construir um movimento climático que se conecte à pobreza energética, aos impactos climáticos, à dignidade das vidas migrantes e das pessoas trans. Um movimento que tome medidas na Europa em reconhecimento e reparação da dívida histórica e das feridas que infligimos ao Sul Global, e das feridas que estamos causando às nossas comunidades geograficamente mais próximas. Esse movimento climático é muito mais diverso e interseccional, enraizado no cotidiano das pessoas, cheio de esperança e visão, com novas fronteiras e pessoas da linha de frente que o lideram.
É nossa responsabilidade e dever construí-lo.
Texto escrito por Nicolò Wojewoda, que vive na Irlanda e é o Diretor Regional para a Europa na 350.org. Ele passou mais de 10 anos liderando e apoiando campanhas impulsionadas pelas pessoas, e construindo um movimento de justiça climática mais forte e equitativo.