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Por Vitória Rodrigues – 18/07/2024

 

 

Moradores fazem mutirões de plantio para reflorestar áreas degradadas na Serra do Vulcão, em Nova Iguaçu

 

Voluntários recebendo instruções do Instituto EAE l Fotos da matéria por Vitória Rodrigues/Escola de Ativismo

São sete horas da manhã de um sábado. Mesmo assim, dezenas de pessoas estão reunidas e entusiasmadas. Entre risos e corpos se alongando, chega o momento de começar uma jornada em prol da vida: começa assim mais um plantio de árvores na Serra do Vulcão, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro.

No entorno da Serra, é possível ver como Nova Iguaçu é grande: de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população iguaçuana conta com 785.867 pessoas. Em um lugar tão bonito e potente, o racismo ambiental também reina — o último Mapa da Desigualdade da Casa Fluminense mostra que 93% foi o percentual de negros internados por doenças transmitidas pela água em relação ao total de internados. 

É preciso reflorestar 

No começo do trajeto, é possível perceber um número grande de casas e entende-se que o lugar é habitado por muita gente. A respiração começa a ficar mais falha pela elevação do solo e a rua que antes era tomada por asfalto, vira apenas terra. Conforme mais se sobe, o ar quente se torna um pouco mais frio pelas árvores que fazem sombra. Mas logo na segunda esquina do trajeto, tudo o que se vê é um lugar devastado pelo fogo. 

Apesar do motivo do plantio de árvores naquele dia ser triste, as pessoas que ali estavam sentiam um ânimo contagiante para pôr as mãos na terra e ajudar a reflorestar aquele pedaço de Mata Atlântica. Neste dia, o evento periódico #ElesQueimamNósPlantamos provou mais uma vez que a educação ambiental e climática pode mudar o cenário, a saúde e o ar de toda uma cidade. 

Fundado em 2018, o Instituto EAE (Educação Ambiental e Ecoturismo) tem como objetivo promover a preservação do meio ambiente, do patrimônio cultural e natural da conhecida Serra do Vulcão, que na verdade tem o nome de Serra Gericinó Mendanha. Através de eventos, produção de materiais e conteúdos, o Instituto acredita que orientar para conservar é chave para reflorestar a região.

Um desses eventos é o #ElesQueimamNósPlantamos, que conta com pessoas voluntárias não apenas da cidade de Nova Iguaçu, mas de toda a Baixada Fluminense, região de cidades que integra a região metropolitana do Rio de Janeiro. Tanto é que o Instituto EAE não nasceu no município da Serra, mas sim em Belford Roxo.

Enquanto subia a trilha para o plantio e guiava voluntários nos percalços da trilha, Richard Pimentel, 31, um dos coordenadores do Instituto EAE, nos contou um pouco dessa história. 

“O Instituto começou dentro de um Colégio Estadual, que é o Presidente Kennedy, de Belford Roxo. Ele surgiu de um Texto de Conclusão de Curso de alunos do Técnico de Meio Ambiente de lá. Os alunos decidiram ter a iniciativa de fazer um projeto prático contra as queimadas. Como a equipe que estava nessa turma já contava com duas pessoas que eram da área de geoculturismo, elas decidiram pensar em algo que fosse englobar a educação ambiental, a conscientização e o plantio”, conta o ativista.

Pimentel conta que iniciativa surgiu com projeto escolar

Realizar o trabalho na Baixada Fluminense era prioridade para os estudantes, já que a região tem uma alta densidade populacional e uma ausência grande de políticas públicas voltadas para a conservação e plantio de árvores. Em São João de Meriti, por exemplo, menos de 5% do território é verde. Todo o resto é concreto.

Richard ressalta o papel do professor Alex Vieira, que era o professor do curso técnico. “Por causa desse incentivo, surgiu a primeira movimentação para começar os mutirões e trazer voluntários para cá. Periodicamente, isso foi se intensificando e o Instituto nasceu. Alguns voluntários que começaram a participar das ações entraram para o Instituto, como eu.”

Uma das pessoas que também foram atraídas para fazer plantios na Serra é a guia de turismo Raimunda Delanda (86). Enquanto comia uma banana e contemplava a vista, interagia com muitas das pessoas que ali passavam — isso porque ela vem em cada um dos plantios organizados desde 2019. “Naquele ano, eu estava fazendo um Curso de Técnico de Meio Ambiente no [Colégio] Kennedy. E aí o professor Alex chegou na turma e falou de um projeto que estavam criando, coisa e tal. Na primeira vinda, naquela época, eu já estava aqui. Estou aqui até hoje. Todo plantio, não faltei um.”

“Como eu sou cria da roça de Minas Gerais, eu já cuidava mesmo sem conhecimento, porque a pessoa que é cria da roça, já é ecologista, ambientalista, mesmo sem ter estudado. A gente sempre cuidou da maneira de cuidar de cada árvore, de cada planta, de cada comida. A gente já cuidava disso mesmo sem ter letra”, afirma ela.

Para Raimunda, é fundamental que as novas gerações se engajem em um ativismo atuante pela preservação daquilo que já existe e pela reparação do que foi destruído. “Eu falo pro mais jovem pra ele tomar conta do seu espaço. Tomar conta dele, cuidar do meio ambiente, porque o jovem vai precisar muito mais do que eu. Eu ainda estou construindo hoje para vocês, mais jovens. Só que eu estou indo. E alguém tem que ficar cuidando.”

Dona Raimunda posa ao lado de Xandinho (dir.) e dois outros participantes da ação

O cuidado das novas gerações

Se para a Raimunda é fundamental que as novas gerações olhem para a preservação com cuidado, há quem já faça isso na região há mais da metade de sua vida. Esse é o caso do Alexandre Bensabat Filho (11), mais conhecido como Xandinho ou ‘O menino que planta’.

Xandinho começou a plantar com cerca de três anos e meio de idade e nunca mais parou. Com uma árvore grande na frente de sua casa, via as sementes caírem em seu quintal e ficou curioso com aquilo. “O meu pai falou que se você enterrar, algo vai nascer. Eu comecei a enterrar as sementes em casa e vi que isso tinha que ir pra rua. Comecei a gostar disso e virou frequente. Todo sábado, todo domingo eu plantava, todo sábado.”

Ao todo, o menino que planta já espalhou mais de três mil árvores por aí, seja no entorno da via expressa Via Light na sua cidade natal ou até mesmo nos Arcos da Lapa, na região central da cidade do Rio de Janeiro. Com tanta experiência, saber e ação, no fim da trilha voluntários recebem instruções para partirem ao local de plantio. Além da coordenação do Instituto EAE explicar como o plantio vai funcionar, Xandinho também discursa e agradece a colaboração de todos.

“Se as pessoas continuarem colocando fogo, a gente vai persistir da mesma maneira: plantando mais e mais. A minha opinião é que se você estiver sentado no sofá, vendo tragédias e só lamentando, isso não adianta. Nós temos que agir!, disse Xandinho.

Os incêndios criminosos

Ao longo da trilha, é notório que a Serra do Vulcão é um ambiente muito frequentado: praticantes de esportes sob duas rodas adoram estar ali, assim como trilheiros e praticantes de corrida. Mas um público, muito mais do que qualquer outro, ocupa aquele espaço — pessoas de religiões cristãs que veem no ambiente uma oportunidade de se reconectar com Deus.

É possível encontrar com muitos grupos que completam jejuns religiosos, realizam cultos ou que simplesmente comparecem à Serra para realizar orações. A presença de pessoas evangélicas e protestantes é tão massiva que há uma igreja muito próxima à sede do Instituto EAE.

Para permanecerem por ali, algumas pessoas realizam fogueiras durante o entardecer e à noite, o que é um tremendo perigo. Isto acaba gerando incêndios que destroem o solo da região. O problema é tão grave que o último plantio do Instituto e do Menino Que Planta, realizado em abril, foi todo tomado pelas chamas.

Em um trajeto de trilha que por si só já é duro pela ausência completa de sombras e árvores desenvolvidas, é possível observar que a região é, cada vez mais, desmatada em nome de interesses econômicos — basta estar em um ponto significativamente alto para olhar a quantidade de gado sendo criada por perto.

Os incêndios, que são inúmeros e que ocorrem pela falta de fiscalização do poder público municipal na região, certas vezes são noticiados como naturais. Mas os ativistas discordam: “A gente tá num bioma úmido, é impossível pegar fogo de forma natural. Por isso nós estamos aqui”, diz Victor Hugo Bartolomeu (21), coordenador do Instituto EAE. Também membro da equipe, o jovem Vitor Góes (25) ressalta que “é importante levar essa semente de ideias pro seu bairro. É diferente quando você chega num lugar com mata bem preservada, ar puro… é bonito.”

Bartolomeu ainda complementa dizendo que é importante um olhar focado e voltado para o próprio território. “Pra você ser daqui e lutar pelo meio ambiente, você não precisa ir pra Amazônia. Basta você fazer pelo lugar em que você vive”

Catarina Santos (21), estudante de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acha que a chave para o desmatamento é sensibilizar as pessoas. “Quando as pessoas ficam mais sensibilizadas pela causa é quando se sentem mais ameaçadas. A gente não precisa ameaçar as pessoas, mas mostrar para elas o que pode acontecer se essa crise climática se agravar. E nós mostramos isso.”

Equipe da EAE em ação na Serra do Vulcão

Durante o plantio do primeiro sábado de junho, foram plantadas mais de 200 mudas. Foram mais de 60 voluntários colocando a mão na massa por um presente e um futuro de possibilidades verde, biodiverso e vivo.

Na Baixada Fluminense, onde o racismo ambiental é agressivo e afeta a vida de milhões de moradores de diferentes formas, construir plantios não é apenas algo que combate a destruição do meio ambiente — mas também é uma luta que pede reparação por injustiças históricas.

O trabalho desempenhado pelo Instituto EAE, Menino Que Planta e por cada pessoa que colabora neste processo de plantio de mudas mostra a potencialidade de um coletivo unido por um objetivo que promove o bem-viver. O pequeno Breno, de onze anos, avisa: “queimar uma árvore é a mesma coisa que se queimar também.”

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