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Da produção à modulação do espaço: apontamentos para o ativismo brasileiro em tempos de disrupção cibernética e crise climática

Entender as interrelações entre realidade vivida e ciberespaço para recriarmos ativismos prenhes de novas cosmopercepções e aquilombamento, numa realidade de emergência climática.

Introdução

Agir ativamente para transformar o espaço contemporâneo em suas múltiplas sociabilidades desigualmente afetadas por impactantes mudanças sociais, tecnológicas e ambientais que, co-relacionadas, definem o prognóstico de colapso das relações da natureza terrana pela crescente crise climática global e intensa disrupção dos sistemas econômicos pela transformação sociotécnica cibernética (Rede Mundial de Computadores, Datacenters, Redes Sociais, Ciborgues, Financeirização Dataficada, Inteligência Artificial, Robótica, Realidade Aumentada, Internet das Coisas, Plataformização, Gerenciamento Algorítmico, entre outras) – é necessário. Mas, como agir neste sistema-mundo (a)?

A co-relação complexa entre relações da natureza e relações sociotécnicas redesenha o espaço e transforma a condição de possibilidades (b) dos discursos que legitimam as ações do sujeito ativista, seja individual ou coletivo. Os modos do ativismo que luta pela transformação do espaço neste sistema-mundo capitalístico (c) – que domina e controla a rede de relações (d) entre natureza e sociotécnicas – não possui uma ação condizente que garanta o valor de uso (e), humano e não humano, para aqueles que habitam o espaço. O valor mercadoria é, ainda, o que violentamente move a materialidade social e histórica dos centros e periferias do sistema-mundo, sejam estes capitalistas, socialistas ou comunistas.Os instrumentos do “direito à” conforme teorizado pelo [1] liberalismo do direito universal, ou pelo [2] recorte marxiano do direito à urbanidade também para o campo ou periferias teorizado por Henri Lefebvre na década de 1960 ou mesmo o [3] direito às infraestruturas das forças de produção em vigência na Constituição Federal, no Estatuto da Cidade ou aqueles [4] praticados no cotidiano pelos múltiplos ativismos brasileiros de mobilidade urbana, quilombismo, ecologismo, etc., não fazem frente aos novos arranjos das castas (f) proprietárias e suas superestruturas, cada vez mais violentadoras das relações da natureza e das sociabilidades descapitalizadas.

A proposta deste texto parte das questões apontadas acima e indaga com quais teorias ou categorias de pensamento o ativismo, que age no e para o espaço, e que usa os instrumentos do campo do urbanismo e do planejamento urbano e territorial, pode fazer frente a essas transformações. O Direito à Cidade ou o direito ambiental, o planejamento ou as políticas de desenvolvimento e suas categorias moventes como campo, cidade, rural e urbano, zoneamento, área de preservação ou conservação entre outras, são ainda uma resposta? E o Brasil periferia (de acordo com sistema-mundo estruturado pelas instituições como o Banco Mundial, FMI, BID, ONU, entre outros), centro das disputas das relações da natureza, participa e/ou é impactado de que modo pelas infraestruturas e superestruturas do capitalismo cibernético (mediado pelas sociotecnopolíticas cibernéticas) imposto aos territórios sujeitados?

Intenta-se aqui formular uma reflexão – amparada na teoria da produção do espaço de Lefebvre – para os ativismos do campo ambiental e da cibernética e também para as práticas do campo do urbanismo e do planejamento urbano e regional ainda muito instrumentalizado por categorias de um tempo pretérito.

A produção do espaço

“A produção do espaço” (g), publicada no ano de 1974 por Henri Lefebvre, é uma teoria crítica marxiana que descreve como os campos da arquitetura, do urbanismo e do planejamento urbano moderno, inspirados por diretrizes pretensamente universais da racionalidade funcionalista, prescreveram uma lógica de “homogeneidade-fragmentação-hierarquização” à organização do espaço. A concepção de projetos e planos por essa lógica tentava equilibrar, de um lado, [1] noções convencionais oriundas do humanismo liberal herdado do século XIX e de certo modo revisado pelas críticas

socialistas/comunistas (com o auge no maio de 1968) e, de outro, [2] as forças econômicas do capitalismo industrial, dependente do mercado imobiliário urbano para a reprodução biológica, da força de trabalho e das relações sociais necessárias ao seu desenvolvimento.

Essa lógica de organização espacial faz parte de longo processo da história ocidental, que separa “natureza” percebida como “coisa” e “inferior” da “cultura” como exclusiva ao “humano” e “superior”. No capitalismo, essa relação dominadora e controladora das castas humanas (masculinistas, brancas, eurocentradas) sobre as “coisas inferiores” passa por uma transformação. Saem da ordem da “natureza” e passam para a ordem da “cultura”, da “civilização”, e é este “progresso” que permite aos humanos o direito de produzir, como se deuses fossem, essas “coisas” e dispor destas como “mercadoria”. A terra, na ordem da natureza, é herança divina sem valor de troca; na ordem da cultura, é herança dos pactos civilizatórios patriarcais ocidentais – que permitem ao proprietário  “a faculdade de usar, gozar e dispor a coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer injustamente a possua ou detenha (h), sendo esse um direito inviolável e sagrado no mundo ocidental (i).

Paulatinamente, as castas do capitalismo atribuíram às “coisas” do tempo e ao espaço, o valor de troca “justo” a elas, retirando o valor de uso dos assujeitados a elas, sejam humanos ou não humanos, vivos e não vivos. O espaço dominado e controlado pelos proprietários que se organizam pelo sistema capitalista transformou-se em produto infinitamente reprodutível e disponível para troca. Os ganhos, com poucos limites, desse capital que fica à disposição dos humanos das castas proprietárias aumentam seu poder de planejar a produção de suas “mercadorias”, impondo seus interesses privados às vidas terranas das cidades, do campo e dos biomas originários.

Lefebvre aponta que o marxismo, em sua estrita tradição, considera o espaço como base material a partir da qual se apoiam as relações de produção do capitalismo. Mas o autor demonstra que o espaço extrapola o debate sobre a condição “base-estrutura-superestrutura” porque, no capitalismo moderno, o espaço deixa de ser um “chão” em que a mercadoria é fabricada e passa a ser a própria mercadoria. Essa passagem histórica à produção do espaço está onde há uma articulação concomitante e imbricada de três dimensões: do percebido, concebido e vivido.

Esse tríplice arranjo ocorre dentro de uma relação dialética (j) entre o sujeito (individual ou coletivo) nas dimensões inseparáveis do:

  1. – Percebido: em que o sujeito [decifra, lê, percebe] o espaço através de uma relação dialética entre suas práticas cotidianas e a realidade tangível do espaço. A percepção do espaço se dá pela experiência que cada sujeito cria ao apropriar-se do mesmo e depende de um letramento sobre os códigos aí presentes. Exemplo: um europeu colonizador não consegue ler as sociabilidades humanas e não humanas da floresta e o indígena mais livre da colonização mal lê os códigos espaciais das cidades. Ambos não possuem o letramento necessário à percepção de cada território. O ativismo age quando modifica a condição de possibilidades de aquisição de letramento na dimensão do percebido.
  2. – Concebido: todo espaço tangível no presente capitalista foi anteriormente idealizado por um saber disciplinar, seja de cientistas, planejadores, urbanistas, tecnocratas, etc. que dominam as noções convencionadas para o desenho/desígnio do espaço (por exemplo: a lógica homogeneidade-fragmentação-hierarquização do planejamento moderno). Essa idealização, ou concepção, é ordenada pelos interesses privados das castas dominantes do capitalismo limitado apenas pelas condições mínimas necessárias à reprodução biológica da força de trabalho e das relações sociais necessárias à sua manutenção. No capitalismo os assujeitados, trabalhadores ou ativistas, não concebem o espaço – não por falta de predicados para idealizar, mas por falta de poder. 
  3. – Vivido: a experiência cotidiana no espaço, a vida, acontece sob o domínio daquilo que foi anteriormente idealizado e depende do letramento dos códigos que permitem ler, ou perceber, o que foi concebido. Uma escola, uma rua, até mesmo uma floresta preservada, no capitalismo, só são vividos se o sujeito entende os códigos idealizados para esse espaço. Mas no vivido há a possibilidade de transformação daquilo que foi idealizado para o espaço, pela transdução dos códigos (pela transformação da natureza da informação que muda o código). O vivido (individual ou coletivo) é o campo de forças subjetivas em que os códigos dominantes são postos em xeque. É a dimensão em que as forças ativistas resistem ao concebido e transformam os códigos e o letramento do percebido.

    A triplicidade percebido-concebido-vivido não é um modelo abstrato de espaço. É a apreensão concreta, pelo sujeito (individual e coletivo), de todo e qualquer espaço, no capitalismo. Ex: Toda  escola tem [1] a dimensão do poder dominante que projeta as espacialidades necessárias ao educar, tem [2] a dimensão de um código entre professores e estudantes que permitem compreender o que foi projetado como sala de aula, pátio de recreio, diretoria e essas dão condições para que [3] a dimensão vivida das experiências de aprendizado aconteçam no espaço.

    Entre várias questões levantadas nessa obra e em outras durante a década de 1980, Lefebvre já percebia a presença de um novo código capitalista sendo concebido (projetado e planejado). As pistas vinham de elementos que pareciam, à época, utopias tecnológicas concebidas no campo da eletrônica, da informática e de um emergente campo da cibernética. Uma outra natureza  para as dimensões do espaço – criada pelo agenciamento sociotécnico de diferentes campos como o da comunicação, informação, engenharias, matemática, antropologia e psicologia – que à época não tinha a concretude que se faz hoje, presente.  Há, agora, um outro espaço, e este coexiste com o espaço que antes era.

Cibernética: campo

A cibernética é um campo multi-inter-transdisciplinar e seu nome vem da publicação “Cybernetics: or the control and communication in the animal and the machine”, de 1948, escrita pelo matemático Norbert Wiener. No primeiro momento da cibernética, seus colaboradores (de vários campos científicos) buscavam criar condições para o controle e processamento de informações da relação entre a engenharia das máquinas, a fisiologia e a linguagem dos seres vivos. O nome cybernetics (do grego kubernetes) diz da ação de controlar o timão de um barco, mudando essa direção de acordo com as condições dos ventos e das águas, para alcançar o destino almejado. O sentido de controle também é dado pela correspondência entre kubernetes do grego e gubernator do latim para piloto, que deriva no português para a palavra governo – questão de fundo de todo o esforço das primeiras pesquisas deste campo de conhecimento (k). A regulação e o controle, para melhor governar, tem papel fundamental na conceituação da cibernética e em seu desenvolvimento.

A cibernética traz para o campo do planejamento o princípio do feedback (retorno), vindo da engenharia de controle e produção. Os retornos sistematizam adaptações aos projetos e planos e mudam a direção dos mesmos, desviando e reprogramando rotas para melhor alcançar as metas ou cenários desejados. Esse idealizar que permite mudanças de trajetórias após ser concebido, que busca equilibrar os acontecimentos a favor dos objetivos a serem alcançados ganha o nome de planejamento estratégico.

Além dessa noção de circularidade e readaptação pelo retorno de informação durante o processo de execução, outros princípios passam a ser amplamente debatidos entre diferentes campos. A entropia sai da física e passa a ser percebida como um princípio de desordem contido nos sistemas sociais, ecológicos. A homeostase sai da biologia e passa a ser estudada como um fenômeno da comunicação social entre os seres vivos. Essas diferentes relações de relações feitas entre diferentes campos em conjunto são descritas, genericamente, pelo termo complexidade. A cibernética, ao longo do tempo, passa a ser esse campo dos estudos inter-multi-transdisciplinares dos fenômenos complexos. Portanto, pode-se dizer que há uma primeira cibernética, que emerge do contexto entre guerras mundiais e que busca a redução da entropia de um sistema para manter o controle e a estabilidade, ou seja, o “equilíbrio”, a favor de uma gestão empresarial ou governo, e há a  segunda cibernética, voltada para os estudos e objetos técnicos dos saberes multi-inter-transdisciplinares ligados aos fenômenos complexos.

Essas duas cibernéticas possuem trajetórias que se sobrepõem ou se afastam, a depender do contexto, mas a conexão intrínseca entre ambas se faz no sistema mundo ocidental, liderado pela governança dos Estados Unidos da América do Norte. Esse governo e fundações norte-americanas interessadas na ampliação das possibilidades econômicas e militares da cibernética financiaram inúmeras pesquisas desde os anos 1940. Desta gestão surgiram descobertas como a [1] análise de processos comunicativos – feitas pelo agenciamento da cibernética, psicologia, medicina e antropologia; [2] inteligência artificial – encontro das ciências cognitivas com as máquinas de processamento de informação; [3] a teoria dos jogos, central na transformação do capitalismo industrial para o capitalismo financeiro, feita em conjunto pelas áreas da economia, ciência política e matemática computacional; também [4] a rede mundial de computadores criada por múltiplos saberes científicos agenciados em universidades pelo mundo, apropriada para defesa militar norte-americana nos anos 1960 e uso ampliado para todo o globo após os anos 1990 com a abertura para uso comercial. Estas, entre tantas outras invenções cibernéticas permitiram o crescimento exponencial do complexo econômico-industrial-financeiro-militar-acadêmico do sistema mundo ocidental norte-americano (l).

Atualmente, a cibernética não é mais percebida como um amplo campo de conhecimento. Seus desdobramentos parecem ter criado campos específicos como a robótica; as tecnologias da informação; a inteligência artificial; as terapias sistêmicas; ecologia profunda e filosofia ecossistêmica; a bioinformata ou biologia computacional; a bigdata e seus mecanismos de machine learning, de cibersegurança, etc. Entretanto, esses campos específicos só foram possíveis pela “virada cibernética” (m). Esta ensejou ao capital a condição de possibilidades para configurar uma nova natureza para o espaço, que por sua vez fez surgir sociabilidades imanentes a essa complexidade, incluindo aqui também as relações de resistência ao capital, feita por ativismos sociais cibernéticos.  Tanto o capital como os ativismos reorganizaram suas condições para dominar ou resistir pela modulação do código das informações organizadas, ou conectadas, pela noção da rede. Mas a rede, por mais que hajam resistências, tem dono.

É justamente nessa fase da cibernética, onde o controle de dados mostra ser o principal elemento da implementação de estratégias do capital, que a Natureza passa a ser tratada não só como “coisa”, mas também como “dado”, e este também passa à condição de “mercadoria” a ser produzida. Às tecnociências cibernéticas (que são originadas desse campo) a serviço do capital global, interessam o componente informacional virtual dos espaços e de suas sociabilidades, humanas e não humanas. Seus impulsos subjetivos são medidos e analisados pelos bigdatas e isso performa o capitalismo pós-industrial, que se movimenta pelo controle dos códigos de informação: o capitalismo de plataforma, financeiro, cognitivo, da atenção, da vigilância, etc.

As implicações dessa fase do capitalismo que alia o capital, as tecnociências cibernéticas (que se originam desse campo) e as novas institucionalidades paraestatais mudaram o conceito de informação e, sobretudo, de espaço. As dimensões do percebido-concebido-vivido agora são todas permeadas por um substrato comum, a informação modulada pelas tecnociências cibernéticas. Essa é a matéria-prima básica e indispensável para valorização e reprodução do capital nos circuitos mundiais do capitalismo cibernético ocidental (origem do capitalismo de plataforma, financeiro, cognitivo, da atenção, da vigilância, etc., centralizado nas megacorporações norte-americanas). Este cibercapitalismo, no presente momento, é dependente do mercado de informações para a reprodução biológica, da força de trabalho e das relações sociais necessárias ao seu desenvolvimento, assim como o espaço o foi na era moderna.

Da produção à modulação do espaço

A produção do espaço teorizada na década de 1970 demonstra a centralidade do espaço na expansão do capitalismo ocidental. Tal sistema apoderou-se de terras pela colonização e fez o acúmulo de capital necessário à industrialização. As revoltas anticoloniais impuseram limites à dominação ocidental e a tensão pelo domínio e controle dos territórios entre os colonizadores imperialistas, acontecimento histórico de amplo conhecimento, culminaram nas guerras mundiais. A reconstrução do espaço das cidades arrasadas pela guerra foi o grande laboratório construtivo do planejamento de diretrizes modernas (zonear o habitar, trabalhar, circular, recrear para desenvolver a economia). O Estado, seu principal agente, justificava suas políticas de desenvolvimento pelo bem estar econômico e social e as diretrizes modernas tornaram um paradigma não só para as cidades centrais do sistema-mundo arrasadas pela guerra, mas também para as cidades das periferias. Os planos diretores urbanos e o planejamento integrado territorial e regional foram os principais dispositivos de produção do espaço moderno.

Entretanto, em poucas décadas, surgiram as críticas aos espaços concebidos por essa percepção reducionista da vida, vindas do cotidiano (dimensão do vivido). O ativismo foi fundamental na construção dessas críticas. O feminismo, negritude, ecologismo,  decolonialidade, etc., organizaram os discursos contra o industrialismo capitalístico hegemônico e esses novos arranjos deveriam,  por lógica, dar condição de possibilidades para a transformação das diretrizes dos espaços da “homogeneidade-fragmentação-hierarquização” moderna, mas não. Ao contrário, houve um avanço exponencial do sistema-mundo capitalístico, na medida em que os mercados se tornaram globais e financeirizados.

Tal se deu pela reorganização das castas, por meio de redes sociotécnicas cibernéticas. Enquanto os ativismos faziam as críticas à vida moderna e as castas propagandeavam contra as políticas de bem estar econômico e social; enquanto ocorria a luta discursiva entre castas e ativismos minoritários, mediada pelo Estado e por instituições supra-nacionais do sistema-mundo (Banco Mundial, FMI, BID, ONU, entre outros) como por exemplo na  ECO-92 (n); enquanto o neoliberalismo passava a dar as diretrizes para a

produção dos espaços da “homogeneidade-fragmentação-hierarquização”,  as redes sociotécnicas cibernéticas controladas pelas castas passaram a modular o espaço e transformar a natureza da Natureza, sem que os ativismos pelo espaço conseguissem perceber essa mudança pela falta de acesso às tecnologias cibernéticas e de conhecimento sobre as modulações. Chegaremos lá.

Nas cidades, surgiram as parcerias público-privadas (recursos públicos e lucros privatizados, em sua grande parte) com as obras de renovação, revitalização e requalificação que faziam uso de estéticas pós-modernas que permitiram criar “novas” imagens para velhos espaços.  No campo, e nas áreas de preservação, acontecia o declínio das ações do planejamento regional integrado na égide “homogeneidade-fragmentação-hierarquização” moderna, e uma ocupação desenvolvimentista que claramente favorecia os grandes grileiros e proprietários de terras – fazendo do mundo rural e das áreas preservadas, herdadas de tempos pretéritos, um recurso infinito e contínuo de troca financeira.

No Brasil, as regularizações fundiárias de terras griladas no campo e nas áreas de conservação e preservação; as isenções fiscais e outros benefícios legais para atrair indústrias de grande potencial poluidor em países do Sul Global; os financiamentos ao agronegócio; as renovações, requalificações, revitalizações “consensuadas” nas cidades feitas pelos técnicos do desenho e do marketing urbano no planejamento estratégico; as mega-obras para os mega-eventos das Olimpíadas e Copa do Mundo – todas essas ações fazem parte dessa readequação do capitalismo que aprendia a produzir “novos” espaços em territórios pretéritos. A produção do espaço deixava de ser a reforma civilizatória dos primeiros urbanismos, e passava a ser a constante renovação do espaço feita para a geração do lucro para os capitais, que financiam essa indústria a juros altos. Uma mercadoria de reprodução infinita, mesmo.

Mas no território dos espaços tangíveis, na materialidade da dimensão do vivido, a vida resiste e re-existe. As sociabilidades e seus ativismos, na medida que percebiam a ação de morte das forças dessa reprodução especulativa e infinita do capital, se reorganizavam e demandavam que seu direito à vida fosse respeitado. Os movimentos sociais urbanos e rurais; os movimentos socioambientais; a sociedade civil organizada; as associações de moradores; as sociedades indígenas e quilombolas sempre resistiram, e resistem, à dimensão privatizadora do que é concebido pelo capital, aliado ao Estado.

Talvez, a força dessas resistências à privatização da vida, para enriquecer as castas no espaço tangível, aceleraram a hibridação do tangível com o digital feito pelas tecnociências cibernéticas. A emergência do espaço cibernético – essa nova fronteira de expansão do capital – deu-se pela necessidade das castas resistirem às lutas na dimensão do vivido e de se reorganizarem, desterritorizalizando a produção de mercadorias de suas nacionalidades e reterritorizalizando o controle dessa produção por meio de uma eficiente rede mundial de trocas de informação e de recursos financeiros.

A disrupção aconteceu quando essa que era para ser uma rede de controle da comunicação de dados tornou-se espaço. O espaço cibernético emergiu no momento em que as redes de comunicação social, ou redes sociais, estabeleceram sociabilidades específicas, que apenas existem neste ambiente. Esta é uma outra natureza de espaço, ou outro espaço da Natureza, que guardam as mesmas dimensões do percebido-concebido-vivido dos espaços tangíveis do capitalismo. E, além, podemos ultrapassar as categorias lefebvrianas e criar paralelos com as relações ecológicas particulares da Natureza. O bioma é uma palavra de origem grega e diz de um ecossistema (Bio = vida + Oma = grupo ou massa) que necessita da atualização constante, em largas temporalidades, de saberes originais e padronizados para existir. Podemos criar a palavra ciberoma para percebermos sistemas originais e padronizados no ciberespaço (Ciber = cibernético + Oma = grupo ou massa) que também necessitam de atualização constante para existir, mas no ciberespaço contemporâneo estas ocorrem em curtas temporalidades, por meio de saberes hodiernos e disruptivos.

Essas palavras auxiliam na formulação de questões e ações para o ativismo dos e nos espaços contemporâneos. O ciberespaço também é uma mercadoria infinitamente extensível, mas se a natureza antes era tangível, agora ela é cibernética – sua sociotécnica, seus meios de produção e sua relação com o espaço tangível são diferentes e carregados de características muito específicas dada a hibridação com o digital. Por isso, para diferenciar essa inflexão histórica do surgimento dessa outra natureza de espaço, dizemos que espaço não é mais apenas produzido, mas também modulado. A modulação é uma operação de controle da comunicação por meio do processamento de informações e sinais (dados) direcionados a muitos usuários – ao mesmo tempo. É como uma única música tocada em um único espaço que controla as percepções e seus processos de subjetivação, sendo que esse espaço comporta ao mesmo tempo, milhões de usuários que existem e agem em ciberomas específicos com sociabilidades específicas que também impactam nos biomas e suas sociabilidades.

Tomamos esse nome para categorizar um novo modo de determinar o espaço, mediado pelas tecnociências cibernéticas e concebido pelos novos arranjos do cibercapitalismo. Os “dados” são a nova “mercadoria”, e sua feitura é realizada pela captura da atenção, direcionada por operações de controle que processam dezenas de zettabytes de informações ao ano, modulando os interesses da atenção dos usuários por meio de uma única “música”, aquela da preferência das castas proprietárias dos datacenters, ou seja, dos “meios de produção”, bem como colocado pela teoria marxista. Os datacenters são conjuntos técnicos que fazem a mediação entre trabalho humano e a natureza e, neste processo fazem a transformação de todas as relações de relações entre vivos e não vivos no espaço, isto é, transformam a natureza em si. 

Comparando, a modulação no cibercapitalismo está para a produção no capitalismo. Os  “modos de produção” dos que detém os “meios de produção” que produziam  economicamente a expansão capitalista pela reprodução infinita dos espaços tangíveis, agora no cibercapitalismo, modulam dados pela captura cognitiva da atenção, e realizam a expansão do capital pela modulação do espaço nas dimensões  inseparáveis do:

(4) – Percebido: em que os sujeitos já tem o letramento digital para mover suas práticas cotidianas em dobra (o) tanto na realidade tangível com cibernética do espaço. Ex.: aplicativos guiam a mobilidade dos sujeitos pelas ruas do planeta que sabem interpretar os dados coletados e modulados pelos datacenters. Quem modula as sociabilidades dos motoristas pelo mundo não são mais os costumes locais, mas as análises algorítmicas dos provedores acessados pelas plataformas dos aplicativos como o israelense Waze;

(5) – Concebido: o ciberespaço é totalmente idealizado por saberes disciplinares que dominam as noções convencionadas das ciências dos dados para o desenho/desígnio do espaço em dobra (do tangível e cibernético), por exemplo: a lógica homogeneidade-fragmentação-hierarquização do planejamento moderno. A concepção continua sendo ordenada pelos interesses privados das castas dominantes, agora do cibercapitalismo, limitado apenas pelas condições cada vez mais precarizadas da reprodução biológica da força de trabalho e das relações sociais necessárias à sua manutenção. Se no capitalismo os assujeitados, trabalhadores ou ativistas, não concebiam o espaço por falta de poder, essa assujeição aumentou exponencialmente Ex: as sociabilidades em dobra dos motoristas que trabalham com entregas movidas por aplicativos e que não tem condições de negociação de trabalho com os cibercapitalistas. 

(6) – Vivido: a experiência cotidiana deste espaço em dobra é constantemente atualizada pelo letramento dos códigos digitalizados e dataficados. Esta atualização permite a relação dos usuários com o concebido pelas sociotécnicas cibernéticas e interesses do cibercapitalismo (plataformização, financeirização, datatificação, digitalização, etc., são aspectos desta reconfiguração do capitalismo). Mesmo os não usuários deste novo sistema-mundo são afetados pelo sistema, seja pela interconexão das relações, seja pela transformação da natureza em si. Ex: a captura de dados na compra do remédio na farmácia por idosos que nem mesmo utilizam smartphones e que são vendidos para golpistas ou satélites controlados por garimpeiros que mapeiam as movimentações de sociedades indígenas que resistem ao desmatamento e às queimadas no norte do Brasil, que por sua vez fazem chover cinzas em São Paulo. É nesta dimensão que as forças ativistas mais perdem força de ação nesta nova configuração espacial, por falta de uma sociabilidade ativista letrada o suficiente para agir, ao mesmo tempo, nos espaços tangíveis como no ciberspaço. Lutar hoje é poder resistir às capturas da atenção para os interesses das castas proprietárias, nestas duas espacialidades ao mesmo tempo (porém ou o ativismo está nos territórios dos espaços tangíveis ou está no ciberespaço). A triplicidade percebido-concebido-vivido é a apreensão concreta, mas duplamente articulada das duas espacialidades.

Na era histórica do ciberespaço modulado pelo cibercapitalismo, a primeira característica, talvez a de maior impacto para os ativismos, é a dificuldade de organização social nos territórios dos espaços tangíveis, no nível da informação, pelo baixo letramento dos códigos de programação dos dados requeridos para o acesso à modulação do espaço digital. O resistir precisa ser feito tanto no território tangível como nos ciberterritórios. As sociabilidades de ribeirinhos, povos das florestas, quilombolas, periféricos, e por que também não dizer, as de urbanistas e planejadores urbanos, precisam aprender a programar o código das suas pautas – do mesmo modo que precisaram ganhar o letramento das técnicas do “direto a”, precisam agora ganhar as técnicas do programar.

Mas, os dados e o capital que os controla e que criam robôs, inteligências artificiais, terapias sistêmicas desenvolvidas pelas neurociências baseada em informação coletada pela biologia computacional, isto é, os “meios de produção” deste novo espaço, não são acessíveis aos programadores ativistas. Estes são, entre outros, os novos instrumentos de dominação e expansão do espaço e estes recursos não estão disponíveis à maioria dos corpos (individuais e coletivos) das sociabilidades urbanas ou rurais presentes nos territórios.

Apenas uma pequena minoria privilegiada domina os códigos de informação dessas modalidades do capitalismo “cibernético” – e, cabe reforçar, isso inclui grande parte do campo técnico do urbanismo e do planejamento urbano e regional, ainda formados pelos conhecimentos técnicos pré-cibernéticos. O domínio das tecnociências cibernéticas atualizam, no espaço digital, as transformações das dimensões do percebido-concebido-vivido. Os avatares, os pix, os logins dos apps são os novos corpos digitais (individuais e coletivos) hibridados com os corpos (individuais ou coletivos) no espaço tangível, e todas as dimensões do espaço são agora duplamente ligadas, o corpo tangível é digital, e vice-versa. Somos, agora, todos ciborgues (p) e estamos evoluindo como uma biomáquina (individual e coletiva).

O espaço cibernético é a nova fronteira e a modulação é o novo modo de produzir esse espaço híbrido. Não há mais como pensar o espaço digital apenas como um sistema de informação e comunicação. Socializamos este (e neste) espaço concebido, trazendo para este as dimensões do percebido e do vivido. Se Lefebvre cria o rural e urbano como dimensões da sociabilidade do campo e da cidade, podemos dizer que há uma nova sociabilidade ciborgue, dos corpos biomaquínicos, intimamente ligados aos dispositivos cibernéticos – prótese ligada aos softwares; implantes para biosegurança; libido conectado a redes sociais, etc.

A modulação dos espaços concebida com as tecnologias advindas da cibernética é a matéria-prima básica e indispensável para a expansão e a reprodução do capital nos circuitos mundiais do atual capitalismo, e este fenômeno tende a expandir para além do controle e domínio do complexo econômico-industrial-financeiro-militar-acadêmico do sistema mundo ocidental norte-americano. Outros países parecem modular seus espaços, disputando o controle e domínio ocidental e, neste sistema mundo de poder multipolar, o Brasil participa de modo muito periférico. Esta é a questão espacial no Brasil contemporâneo, seja nas cidades, nos campos ou nos biomas tradicionais e originários. Esse é o problema do ativismo e do campo técnico que pretende organizar os desígnios para o espaço. Estamos sendo novamente colonizados pela incapacidade de atuar espacialmente nas dimensões do espaço cibernético, essa nova realidade concreta, global e local.

O ativismo em tempos de modulação do espaço e colapso ambiental

As castas capitalistas sempre procuraram meios de escapar aos limites impostos pelas lutas dos que a elas são submetidos. Tanto nas reivindicações por direitos, como nas revoltas ou revoluções, o capital sempre fez surgir sociotécnicas com capacidade de pacificar as demandas populares, seja pela violência ou pela sedução. Resistir aprendendo a programar o ciberespaço é necessário, principalmente no que tange as reivindicações do campo do “direito a”, mas, sabemos que outras sociotécnicas serão concebidas e sustentadas pelos interesses das castas para fazer frente a qualquer modo de organização popular.

Entretanto, um limite maior do que o conjunto de todas as lutas sociais está sendo imposto a elas, e este é o colapso ambiental criado pela crise climática – consequência do sistema colonizador e expansionista do espaço. Podemos afirmar, por essa premissa, que o grande limitador da ação das castas não são as lutas sociais em si, mas sim, sua própria cosmovisão e ação. Suas sociotécnicas cibernéticas (como as redes sociais, a realidade aumentada, a cibersegurança, a internet das coisas, o biohacking, ciborguismo etc.) intentam superar tanto os limites das condições biológicas e sociais de reprodução das forças de trabalho como os limites impostos pela mudança climática da Natureza (relação de relações entre vivos e não vivos no espaço), mas a distopia deste sistema-mundo é tão avassaladora que a própria existência das castas está em risco (infelizmente o risco não se limita a elas, todos são impactados e quem mais sofre são os pobres). 

Na década de 1990, marco nos debates sobre o clima com a publicação do primeiro relatório científico do IPCC (q), ainda havia uma compreensão de que as mudanças

climáticas seriam benéficas para as castas e seus territórios privilegiados, localizados nos países do Norte Global. O aquecimento contribuiria para a agricultura e para o turismo, por exemplo. Entretanto, o que vemos é que a quebra de padrões climáticos estabelecidos ao longo dos últimos 20 mil anos desestrutura o domínio e o controle de qualquer atividade econômica planejada. A base de qualquer governo é esse controle planejado dos fatos da Natureza, dominado por humanos, esse é o fundamento da dimensão do concebido, e pilar dos instrumentos de poder e de organização social desde o advento da agricultura. 

Todos os sistemas de autoridade das sociedades que planejam a vida em seus sistemas-mundo o fazem a partir da regularidade e previsibilidade dos padrões da Natureza. Seja na agricultura ou no abastecimento de água urbano, sem os padrões de previsibilidade das relações de relações entre vivos e não vivos estabelecidas nos últimos milênios, não há planejamento econômico, ou desenvolvimento, possível. Impostos, negociação de dívidas, vendas de commodities, seguros ou qualquer instrumento de aquisição de valor futuro perde sentido sem os padrões de regularidade longamente construídos pela Natureza.

Sem esses padrões, nem o Norte e nem o Sul Global poderão prever as condições das forças que interferem no clima, como:  a temperatura, a umidade, a radiação ou mesmo a pressão atmosférica. A própria noção de domínio e controle dos sistemas de autoridade, sem a previsibilidade da Natureza, perde sentido. A desconexão do planejamento, ou seja, da dimensão do concebido com a Natureza, ficou evidente no relatório do IPCC (r) de 2022. Trinta e dois anos após o primeiro relatório as emissões nocivas de carbono de 2010-2019 foram as mais altas na história da humanidade, com aumentos de emissões registrados “em todos os principais setores do mundo”: 9,1 bilhões de toneladas a mais do que na década anterior.

A modulação é o único modo de reverter a negação que impede que aquilo que já se sabe, há três décadas, seja percebido e transformado nas dimensões do concebido-percebido-vivido do espaço. Por isso, a disputa das narrativas é cada vez mais importante, porque é na dimensão das percepções que a luta de classes e os ativismos são feitos no cibercapitalismo. E as narrativas em disputa estão, predominantemente, sendo sociabilizadas no ciberespaço. Portanto, as lutas precisam estar articuladas entre o

tangível e o cibernético e serem moduladas pelos interesses populares, ecologistas, etc.. Solicitar um diagnóstico de impacto ambiental só é relevante se houver junto um diagnóstico de impacto cibernético, e isso para qualquer ação concebida seja na implantação de uma escola, de um parque industrial ou mesmo da permissão de funcionamento de um aplicativo. Os impactos cibernéticos são impactos ambientais e sociais porque esta é, também, a natureza deste novo espaço. 

É preciso atentar para as disputas narrativas das castas ocidentais, principalmente para os enunciados e as ações voltadas para a proteção ambiental que descolam as sociotécnicas cibernéticas da acelerada degradação ambiental dos espaços tangíveis. Quanto mais organizado são os discursos da Natureza modulados pelas castas (ex: A ONU discursando sobre sustentabilidade, energias renováveis, etc.) maior é a degradação da relação de relações entre os entes vivos e não vivos da Natureza. Este é um dado e não um discurso ideológico. É preciso correlacionar essas duas ações, não como um paradoxo, mas como um par de ação e reação.

É preciso apreciar, divulgar, vivenciar as percepções e narrativas dos socioambientalistas e dos contracolonialistas, principalmente para os enunciados e as ações voltadas para a proteção ambiental que sentem na pele os impactos das sociotécnicas cibernéticas em seus territórios. Os sistemas mundo desses sujeitos não são da ordem do concebido, planejado, e sim, são da ordem da relação de relações entre vivos e não vivos, estão mais próximos à Natureza.

                                Gráfico 1 (s) – Representa as emissões de CO2 em relação aos marcos do discurso ambiental e da cibernética 

Conclusão

A modulação do espaço é uma atualização do conceito da produção do espaço de Henri Lefevre. Ambos tratam do modo de perceber a Natureza enquanto uma coisa a ser apropriada e transformada em mercadoria, infinitamente, pelo capitalismo.  A diferença é que no contemporâneo, o espaço tangível é, também, cibernético. Ambos possuem dimensões do percebido-concebido-vivido, com Naturezas (relações de tempo e espaço) distintas, mas imbricadas, em dobra.

Os dispositivos de controle e domínio cibernéticos sobrepujam qualquer organização das resistências territorializadas nos espaços tangíveis e sempre torna exponencial o ritmo de escravização da Natureza e seus entes porque para os ativismos do e no espaço e para os urbanistas e planejadores, o espaço cibernético ainda não é percebido como espaço, e sim como um sistema de informação e comunicação. Apoiar as narrativas ambientais concebidas e moduladas pelas castas capitalistas é impactar os espaços tangíveis e acelerar sua destruição, em escala exponencial. Este não é um paradoxo, mas uma constatação dada pelos fatos. As narrativas das castas modulam mononaturezas, monoculturas. As próprias castas, para sua sobrevivência, precisam aprender a conceber (projetar e planejar) a proteção ambiental com e neste espaço cibernético, mas não pelas narrativas “dos selos verdes” e dos empreendimentos “sustentáveis” e sim, pelos cosmoperceberes (t) dos sujeitos imbricados na vivência dos territórios que preservaram grande biodiversidade, isto é, de maior complexidade de relação de relações entre vivos e não vivos. 

Os ativismos que lutam pela biodiversidade da vida e o campo do urbanismo e o planejamento urbano a esses aliado precisam atualizar suas narrativas, seus instrumentos de ação e seus objetos técnicos, imbricando os cosmoperceberes biodiversos em ambos espaços e de modo articulado. O futuro é ancestral, em ambos os espaços, do ativismo tangível e do cibernético. Um é o outro, e vice-versa. É preciso aquilombar de modo imbricado, nos espaços tangíveis e nos cibernéticos, e reinventar um ativismo ancestral brasileiro, como anunciado por Beatriz  Nascimento (u): aquilombar-se é o movimento de buscar o quilombo, formar o quilombo, tornar-se quilombo”. Ou seja, aquilombar-se é o ato de assumir uma posição de resistência contra-hegemônica a partir de um corpo político conectado a futuros pluriversais, construídos pela afetividade e acolhimento entre diferentes, isto é, é inventar novas sociabilidades de pertencimento entre vivos e não vivos, mesmo que no estranhamento, e aprender a despertencer ao conforto do “povo da mercadoria”.

Fecho o texto com as palavras de mestre Gilberto Gil, na canção “Cibernética”, como se essas palavras uma prece fosse: “ Mas será quando a ciência/ Estiver livre do poder/ A consciência, livre do saber/ E a paciência, morta de esperar/ Aí então tudo todo o tempo/ Será dado e dedicado a Deus/ E a César dar adeus às armas caberá/ Que a luta pela acumulação de bens materiais/ Já não será preciso continuar/ Onde lia-se alfândega leia-se pândega/ Onde lia-se lei leia-se lá-lá-lá”

E… Viva a Vida! Lá-lá-lá…

Notas:

a. Immanuel Wallerstein. A análise dos sistemas-mundo como movimento do saber. In: Pedro Antonio Vieira; Rosângela de Lima Vieira & Felipe Amin Filomeno (org.). O Brasil e o capitalismo histórico: passado e presente na análise dos sistemas-mundo. São Paulo: Cultura Acadêmica Ed., pp.17-28. 2012.
b. Michel Foucault. As Palavras e as Coisas. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
c. Felix Guattari, F. Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo: Brasiliense, 1981
d. Humberto Maturana. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001.
e. Karl Marx. O Capital. vol. 1, tomo I. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
f. Isabel Wilkerson. Casta: as origens de nosso mal estar. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2021. 580 p. [ebook]
g. Henri Lefebvre. La producción del espacio. Madrid: Capitán Swing, 2013.
h. Brasil. Art. 1.228 do Código Civil (2002). Código civil brasileiro e legislação correlata. – 2. ed. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008.
i. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789. Universidade de São Paulo: Biblioteca Virtual de Direitos Humanos, 2015.
j. A lógica dialética diferencia da lógica formal por incorporar a contradição e a negação à síntese da totalidade de um fenômeno.
k. Joon Ho Kim. Cibernética, ciborgues e ciberespaço: notas sobre a origem da cibernética e sua reinvenção cultural. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n. 21, p.199-210, jan./jun. 2004.
l. Marcelo Sávio Revoredo Menezes de Carvalho. 2006. A trajetória da internet no Brasil: do surgimento das redes de computadores à instituição dos mecanismos de governança. 239 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro.
m. Laymert Garcia dos Santos. 2003. A informação após a virada cibernética. In: Laymert Garcia dos Santos; Maria Rita Kehl; Bernardo Kucinski; Walter Pinheiro. Revolução tecnológica, internet e socialismo. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, pp.9-33.
n. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento foi evento ocorrido no Rio de Janeiro, em 1992, conhecida como ECO-92. Foi a segunda grande reunião das Nações Unidas sobre o meio ambiente e reuniu 178 Estados-nação.
o. A dobra é um conceito criado por Deleuze através de Leibniz que o cria a partir da instabilidade expressiva do Barroco. Aponta para uma ordem que vai do micro ao macro e volta, que vai do ponto ao infinito e volta, infinitamente” O barroco remete não a uma essência, mas sobretudo a uma função operatória, a um traço. Não pára de fazer dobras. Ele não inventou essa coisa: há todas as dobras vindas do Oriente, dobras gregas, romanas, góticas, clássicas… Mas ele curva e recurva as dobras, leva-as ao infinito, dobra sobre dobra, dobra conforme dobra. O traço do barroco é a dobra que vai ao infinito. Ver em: Gilles Deleuze. A dobra: Leibniz e o Barroco. Campinas, SP: Papirus, 1991.
p. Donna Haraway. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do sec XX in: Tomaz Tadeu (org) Antropologia ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora, 2009.
q. Painel Intergovernamental para a Mudança de Clima, entidade criada em 1988, pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
r. IPCC AR6 WG3 Summary for Policymakers. Link em https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg3/downloads/report/IPCC_AR6_WGIII_SummaryForPolicymakers.pdf
s. Gráfico representando as emissões de CO2 em relação aos marcos do discurso ambiental e da cibernética. (elaborado a partir de gráfico disponível em: <https://climate.nasa.gov/news/3020/how-much-carbondioxide-are-we-emitting/> Acesso em: 14 de dez. de 2022.) Autores: PORTELA, T.B.. BRAGA, G.L.C. NASCIMENTO, F. A. de B.. Disponível em: https://anpur.org.br/anais-xxenanpur/sessoes-tematicas-sts/ Acesso em: 25 de nov. de 2023
t. O conceito de cosmologias pode ser amplo. Diferente da imagem que parte de uma relação intrínseca com uma predominância dos sentidos visuais e que permite construir a cosmologia como se apenas cosmovisão fosse, o imaginário amplia os sentidos do mundo para além das convenções padronizadas do olhar perspectivístico ocidental e abre o corpo para outras cosmologias ou, como chama Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí, outras cosmopercepções. Essas últimas podem criar modos contra-coloniais de imaginar o espaço, re-emaranhando o urbano, o rural e os biomas originários separados pela dicotomia ocidental moderna do patrimônio da Natureza para conservar e preservar de um lado e a propriedade dos zoneamentos urbanos e rurais para desenvolver. Um modo não ocidentalizado, que ainda percebe o linear e a velocidade em direção a um futuro como paradigma para o desenvolvimento, um pensar contracolonial pode ser imaginado a partir do “fazer curva”, em ações de resistência que não batem de frente, que cria o contra-hegemônico não violento, ou menos violento. Ver em: Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí. Visualizing the Body: Western Theories and African Subjects in: Peter H. Coetzee; Abraham P.J. Roux (eds). The African Philosophy Reader. New York: Routledge, 2002, p. 391-415.
u. Beatriz Nascimento. O conceito de quilombo e a resistência cultural negra. In: RATTS, Alex. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. SP: Instituto Kuanza, 2006, p. 117-125

TEXTO

Thais de Bhanthumchinda Portela

Professora do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (PPGAU\UFBA) e integrante do Grupo de Pesquisa CIPOs.

publicado em

Temas

O espaço cibernético é a nova fronteira e a modulação é o novo modo de produzir esse espaço híbrido. Não há mais como pensar o espaço digital apenas como um sistema de informação e comunicação. Socializamos este (e neste) espaço concebido, trazendo para este as dimensões do percebido e do vivido.

  • Regulação das Plataformas de Mídia Social: Uma medida crucial envolve a regulação das plataformas de mídia social, que frequentemente são catalisadoras da disseminação da desinformação em massa. As autoridades regulatórias devem implementar medidas rigorosas para conter a propagação de informações enganosas. Isso inclui a transparência das políticas de moderação de conteúdo, a remoção de conteúdo falso e a responsabilização das plataformas por danos causados pela desinformação.

 

  • Valorização da Cadeia de Produção de Informação em Contextos de Desertos de Notícias: Em áreas com escassa cobertura midiática, é essencial valorizar e apoiar a produção local de informações. Isso inclui o fortalecimento de veículos de comunicação independentes e a capacitação de jornalistas locais para cobrir questões climáticas e socioambientais.

 

  • Diversidade de Vozes: Promover a diversidade de vozes e perspectivas na discussão das mudanças climáticas e questões ambientais é crucial. Isso inclui dar voz a comunidades afetadas desproporcionalmente por esses problemas, como povos indígenas, comunidades tradicionais e grupos vulnerabilizados em territórios de contextos urbanos periféricos. Pesquisadores podem apoiar a amplificação dessas vozes e histórias.

 

  • Justiça Climática e anti-racismo: A luta contra a desinformação ambiental deve estar ligada à promoção da justiça climática e equidade racial. Isso implica em abordar as disparidades socioeconômicas e raciais em relação às mudanças climáticas e garantir soluções equitativas. Pesquisadores podem contribuir com análises sobre essas disparidades, inclusive na pesquisa em comunicação, enquanto a sociedade civil pode fazer campanhas para pressionar os tomadores de decisão.

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