A ativista Vitória Rodrigues reflete sobre crescer e se tornar adulta durante os anos de Bolsonaro e organizando, na linha de frente, a resistência climática
As últimas semanas estão sendo caoticamente dolorosas para qualquer pessoa que saiba e reconheça a gravidade do que está acontecendo. Ignorância, negligência, mentira. Eu tenho a expectativa de conseguir, algum dia, mudar realidades através da vida pública, mas como é possível permanecer com essa visão no clima de Bolsonaro?
Nas escolas que passei durante o fundamental, achei que chegar ao ensino médio seria sinônimo de, exclusivamente, curtir a vida e ver no estudo a chave pra mudar de vida. Mas, todavia, entretanto, eu comecei essa parte da minha vida junto com o governo Bolsonaro. O resto a gente já sabe muito bem o que houve, mas aqui quero falar da perspectiva da Vitória.
O meu ensino médio foi e está sendo completamente diferente do que eu imaginava: eu trampo com projetos sociais, faço iniciação científica por cem reais ao mês e estágio sem remuneração. Sendo mais específica, falo bastante do mínimo, que é trocar ideias sobre periferia, segurança, saúde pública e educação de impacto social. Porém é aí que o buraco fica mais embaixo: que é quando eu preciso afirmar que a crise climática tá em curso — e se não tem mundo, não tem mais problema algum.
Eu vou nos cantos falando que desenvolvimento sustentável é o caralho, que a mudança é estrutural, é como um todo: é preciso naturalizar a radicalidade. Essa preocupação com o presente – não é futuro, gente – do mundo não é só minha, mas também de muitos adolescentes, como a Hyally Carvalho e a Heloíse Almeida, que estão se desdobrando para comunicar que as coisas não podem continuar como estão.
Daí na hora de repensar diariamente tudo o que faço, me pergunto: por que eu preciso fazer isso?
Sei muito bem que a gente precisa de gente que movimenta espaços na cara e na coragem. Eu sei. Fazer isso me conecta com pessoas, histórias e experiências que jamais teria se só estivesse conformada com a realidade, mas eu realmente tinha que estar passando a maior parte do meu tempo lutando contra toda essa correnteza que vai desde o montante de lixo que é incinerado na porta da minha casa até a indústria que tá poluindo a Baía de Guanabara?
Todo esse processo é doloroso: faz o corpo gritar seja na dor de cabeça ou na ecoansiedade. Crescer no clima de Bolsonaro é ver que a sua vida e a sua luta não tem valor algum, porque a política deste crápula é a de atacar o ser ativista de tudo que é forma, ao ponto de dar aval ao fim da nossa existência. Comecei falando que essa semana está uma merda e está. Mais uma vez, estamos vendo o governo brasileiro – que é o de Bolsonaro, precisamos dar nome aos criminosos – falar que tá tudo bem ver ativistas como Bruno Pereira e Dom Phillips desaparecerem.
É aterrorizante ver que você vai começar a sua vida adulta num país que simplesmente não liga pra sua vida, pro que você fala. Viver no clima de Bolsonaro é andar lado a lado do medo e com a consciência de que o que você representa só importa quando você é um dos alvos dos poderosos.
Isso é um desabafo. Isso é um grito de desespero. Isso é uma expressão do meu medo. Mas isso também é uma forma de dizer que precisamos dar as nossas mãos não apenas entre a gente que tá nos projetos, mas entre todo mundo. A Anna Paula Salles, da Associação de Moradores do Engenho de Itaguaí, costuma dizer que a gente precisa é andar em bonde.
Convido quem me lê aqui a pensar formas de proteger ativistas, sejam aqueles que já foram, os que estão na luta e os que estão por vir. Como fazer tudo isso eu ainda não sei, mas a Escola de Ativismo é um bom caminho. Vamos pensar em outros coletivamente também?
Como publicou Andréa Pachá, “quero viver em um país que não mata e que não naturaliza a morte. Não aceito um Brasil que vive de perguntar quem mandou matar.”
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Vitória Rodrigues é moradora de São João de Meriti, Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Está terminando o ensino médio técnico de Gerência em Saúde na EPSJV/Fiocruz. É Diretora Executiva do Projeto Ini.se.ativa e inventa arte nas horas preenchidas. Fala bastante de violência urbana, racismo ambiental e educação crítica de impacto social.