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Carta à minha vó, vóinha Maria I.

Uma carta sobre o segundo turno das eleições da advogada popular Juliana Borges para sua avó que pretende votar em Jair Bolsonaro

A advogada popular Juliana Borges escreve uma carta para sua avó às vésperas do segundo turno.

homem fantasiado distriubui panfleto

“Eu acredito no amor ensinado por Cristo e entoado por Francisco de Assis: “onde houver ódio, que eu leve o amor”! l Crédito: Vitor Sá

Salvador – BA, 06 de outubro de 2022.

Bença, vó.

Vejo que a senhora está com uma bandeira do Brasil no perfil, imagino que não seja apenas por ser nacionalista. Suponho que pra senhora essa bandeira signifique apoiar o atual presidente.

Gostaria de ouvir os motivos da senhora, mas também gostaria de expor os meus. Não sobre a necessidade de apoiar Lula e/ou o PT, mas sobre as razões pelas quais o outro candidato não é uma opção pra mim.

Vou começar pelo meu trabalho. Como a senhora sabe eu trabalho em uma organização da sociedade civil como advogada popular prestando assessoria para organizações e populações vulnerabilizadas. Em sua maioria pessoas do campo, trabalhadoras rurais, ribeirinhos e quilombolas em situação de conflito.

Afinal, pra que precisariam de advogada se não tivessem com algum problema, não é mesmo? Assim me ensinaram L. e S., no auge da sabedoria dos seus 6 anos de idade: advogado é para resolver problema.

Pois bem. Em uma das primeiras manifestações do atual presidente ao assumir o executivo afirmou que acabaria com as organizações não governamentais para, em suas palavras: “botar um ponto final em todos os ativismos no Brasil”.

Ele ainda não conseguiu levar à frente esse projeto. E não por falta de tentativas. Desde de normas de monitoramento não aprovadas pelo Congresso à criminalização de organizações, como aconteceu no Pará, tendo pessoas presas por falsas acusações proferidas pelo presidente.

Poderia ter sido eu a pessoa presa.

Dar a ele a oportunidade de seguir no poder é possibilitar que ele leve à frente a desarticulação das organizações e, de forma egoísta, te digo: eu posso perder meu trabalho.

Ainda sobre isso, te falo: lidar com conflitos ao lado do povo é colocar-se em risco. Digo isso porque quando vou a uma comunidade que dorme e não sabe se vai acordar de tantas ameaças e atentados que já sofreram, é ir trabalhar sem saber se vou voltar.

Sob o governo do atual presidente, parte da população anda armada até os dentes e posso dizer, se o bem existe, essa gente não é gente de bem. No campo, nos conflitos fundiários a “lei da bala” sempre imperou e a ausência do Estado fazia com que nem mesmo virassem dados as vidas perdidas em defesa da terra. Nesse governo, essa lei voltou a reinar e com o aval do presidente.

Se ao exercer a minha profissão eu me deparo com um pistoleiro, sabe o que penso? Que a arma apontada para mim teve o gatilho puxado por aqueles que confirmaram o voto em quem permite tal atrocidade.

Se organizar, se juntar, fazer luta em uma sociedade democrática não é crime, é direito constitucional garantido. E esse direito é constantemente violado pelo presidente.

Eu sou flor, sou fruto das sementes que foram regadas com o sangue dos que vieram antes de mim na luta pela terra, por justiça social e condições dignas de vida. Eu não quero ser a que vai regar esse chão sofrido, não quero que a senhora, a minha referência de mulher, suje suas mãos com o meu sangue e nem com o de ninguém. Por isso não voto no atual presidente.

Outro motivo é que aprendi muito nova que Cristo é amor, que não se deve usar o nome de Deus em vão e que mentir é errado. A senhora quando me abençoa roga por Nossa Senhora para que ela me cubra com o manto sagrado e cuide de mim e me proteja. Amor e cuidado não são nutridos com ódio, desrespeito e pregação da destruição do outro por ser diferente.

Em nome de Deus (usando em vão) muitas vidas têm sido ceifadas, muitas pessoas estão sendo levadas a extrema pobreza e miserabilidade. Em nome de Deus, o atual governante tem desejado a morte, de metralhadora, dos seus opositores eleitos como inimigos prontos para serem abatidos. O atual presidente e seus seguidores mentem, desinformam a população e criam dúvidas sobre a realidade que está diante dos nossos olhos, nos preços nas prateleiras do mercado, na ausência da carne e do feijão na mesa de milhões de brasileiros. É em respeito a sua crença em Deus, é por acreditar no amor e na verdade que eu não posso apoiar esse homem no poder.

A senhora sabe que eu sou do Candomblé e esse é mais um motivo para não votar em quem prega o racismo nas suas mais diversas faces. Logo o presidente que tem o dever constitucional de governar para todos, sem distinção de raça, gênero ou crença religiosa? Não posso fazer isso comigo, nem com ninguém. Porque prezo pelo respeito, pelo amor e pela diversidade, porque ela no seu colorido arco-íris pinta esse mundo com os mais belos tons.

Dos dias que passamos juntas aqui em casa duas coisas me marcaram muito, até me emociono de lembrar. Uma éramos nós duas na janela do quarto olhando a mata ao fundo do prédio contando e rindo dos micos que pulavam de um galho para o outro. Passávamos um tempão contemplando o céu, o pôr do sol e eu ouvindo suas histórias. Em uma delas descobri que minha paixão pela lua veio da senhora, que acompanha suas fases ao olhar o céu.

Essa conexão ancestral com a natureza não pode ser perdida por um voto que permite a devastação das matas, das águas e de tudo que há de belo e sagrado pra nós. E digo nós porque sei que pra senhora o que víamos e vemos todos os meses brilhando ou não no céu é sagrado. Não consigo olhar pra mata aqui e não pensar no quanto o governo foi omisso com o desmatamento na Amazônia, Cerrado e Pantanal. Melhor dizendo, o quanto foi permissivo em benefício de poucos e em sua maioria estrangeiros.

A outra lembrança que tenho, éramos nós: eu, a senhora e tia L., rezando o terço todos os dias pela vida e saúde de tio J., internado em estado grave há vários dias por causa da Covid-19. Via nos olhos mareados da senhora o medo de perder o filho. Sentia o coração apertar com a expectativa dos boletins médicos rezando para a saturação do pulmão melhorar e ele ter alta. Por viver esse medo tão de perto eu não posso apoiar o gestor que fez piada dos mortos, imitou pessoas com falta de ar, com total desrespeito a nossa dor, ao nosso sofrimento e de tantos outros. Não posso apoiar quem foi responsável por mais de 680 mil mortes no país por má gestão durante a pandemia. Por demorar na viabilização da vacina, enquanto enchia os bolsos de dinheiro vendendo a falsa cura da cloroquina. Não consigo pensar na continuidade dessa pessoa no poder quando não pude velar o corpo de tio Joãozito, quando tive que assistir ao enterro pela tela do celular, vendo as pessoas distantes, sem poder se abraçarem para se acolherem no momento de dor. Pra mim é inconcebível!

Tenho outros tantos motivos, como ele ter dito a uma mulher que ela não merece ser estuprada por que ela é feia, por toda sua misoginia e machismo, pelo preço dos alimentos, do gás de cozinha, do combustível, dos desvios de verbas, dos escândalos envolvendo a família dele, das intervenções na polícia federal, das tentativas de destruir as universidades públicas, chegando a associá-las a balbúrdia, por ele oferecer capim aos nordestinos como alimento. São muitas as razões pelas quais ele jamais será uma opção pra mim.

Mas a principal delas é que eu me sinto ameaçada, em risco por uma eventual continuidade desse governo.

E também, porque apesar das dores da vida e da árdua luta que travamos por dias melhores para mais pessoas, eu acredito no amor ensinado por Cristo e entoado por Francisco de Assis: “onde houver ódio, que eu leve o amor”!

Com amor, de sua Lôra.

Juliana Borges, advogada popular e muzenza do Nzo Caxuté

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