Por Alicia Lobato
Na semana em que se comemora o Dia da Amazônia, a repórter Alicia Lobato conta um pouco sobre como é ser uma ativista climática na zona urbana de Manaus. Segundo o que ela encontrou entrevistando ativistas que atuam nas periferias locais, a mobilização pelo clima em Manaus ainda está muito atrelada à agenda nacional – mas o trabalho segue firme para que as periferias também compreendam que os problemas da Amazônia também afetam o dia a dia de quem vive na cidade.
Andar por Manaus é sentir que a distância da floresta foi imposta na cidade para se fazer acreditar que a Amazônia não é aqui. Quem mora em Manaus se sente morando de costas para a floresta, já que a capital do estado do Amazonas vive em meio a uma política que busca o desenvolvimento passando por cima de toda e qualquer questão socioambiental. Em um cenário de insegurança para ativistas e organizações do terceiro setor, coletivos e ambientalistas se mobilizam do jeito que podem para continuar levantando bandeiras de luta, para seguir buscando alertar a sociedade para os graves problemas ambientais que têm ocorrido no estado.
Segundo dados disponibilizados pelo Deter, programa de monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o mês de junho contou com o maior valor de áreas com alerta de desmatamento na Amazônia Legal desde 2016. Números como esse têm se tornado frequentes e, apesar de parecer que quem vive na capital não é atingido pelo desmatamento e por outros problemas que atingem a floresta, movimentos ambientalistas querem mostrar que as mudanças climáticas pegam em cheio a população em geral.
Afinal, além dos povos da floresta, a crise climática também chega nos centros urbanos podendo ser observada com a cheia intensa do Rio Negro, com o calor acima do normal e com a conta de luz mais cara.
Marrye Amorim reclama da solidão e cansaço do trabalho ativista em Manaus l Foto: Arquivo Pessoal
Por um ativismo que atua localmente
Um trabalho cansativo. É assim que a ativista socioambiental Marrye Amorim, especialista em mobilização e coordenadora de engajamento na Sea Shepherd Brasil, resume o que é ser ativista em Manaus. Ela conta que mesmo com a presença de outras organizações que estão realizando um trabalho com várias frentes, a principal dificuldade é a comunicação e o fortalecimento de uma rede ativista.
“Tentamos fazer um trabalho que não deveríamos estar fazendo, mas seguimos. Vamos reivindicando, reclamando e identificando problemas em várias frentes. Mas é revoltante e solitário” explica Marrye.
Apesar de solitário, ativistas têm encontrado formas de continuar falando de temas ambientais na capital, mesmo que individualmente e sem a visibilidade da grande mídia. O ativismo climático ganha destaque principalmente por ações de base. Por pessoas que têm tentado mudar a realidade do seu próprio bairro e entorno. Ativistas cada vez mais querem debater o tema Amazônia nos bairros periféricos da capital
Dentre as estratégias utilizadas para propor essas pautas, estão lambes, grafites e materiais visuais. O “ativismo de base” tem sido o principal objetivo de Jander Manauara, rapper e idealizador de projetos como o coletivo “Orígenes” que realiza um trabalho de articulação cultural na cidade. Uma das ações recentes do grupo foi o festival “Grito de Rua”, que organizou atividades no dia do Meio Ambiente, em maio, em um bairro periférico da capital e contou com a presença de vários movimentos sociais que falaram sobre os problemas socioambientais da cidade para crianças e adultos.
“Entender que temos problemas é importante, mas também compreender que com a arte e a educação conseguimos transformar muita coisa é essencial”, afirma Jander, que considera o ato de levar um dia de atividades para crianças como algo inovador.
O artista, que começou a ter visibilidade por conta do rap, conta que foi percebendo os problemas do seu bairro e assim foi se envolvendo cada vez mais com a comunidade. Para ele, ser ativista é estudar essas pautas locais e impulsionar transformações locais.
“Precisamos entender o que envolve a cidade de Manaus tendo o território como campo de estudo para conseguir parcerias e assim mobilizar nossas ferramentas em aliança com outros coletivos. Isso passa por entender que essas lideranças locais são importantes para fomentar a mudança desde a base”, diz.
O rapper Jander Manaura (no topo, de branco) acredita no poder da arte e da cultura para fazer comunicação socioambiental l Foto: Arquivo Pessoal
Ativistas nas cidades também sofrem com ameaças
Depois dos casos recentes de violência contra ambientalistas, como as mortes do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, este ano na região do Vale do Javari no estado do Amazonas, a segurança tem sido cada vez mais tema de reflexão entre ativistas ambientais. Para Marrye, o ativista de base por não estar conectado nas mídias sociais, não consegue ter visibilidade e consequentemente uma valorização do seu trabalho, e complementa, “eu acredito que essa visibilidade vem infelizmente com uma carga muito negativa. As pessoas que estão fazendo um trabalho muito forte, acabam sofrendo ameaças e agressões”.
Valéria Melissa, voluntária e articuladora do núcleo local de Manaus da organização Engajamundo, conta que tem tomado cuidado nos espaços que frequenta, se a sua pauta faz sentido para aquele público e se é um bom momento para começar um diálogo, sempre pensando se aquele lugar é seguro:
“Ser ativista sempre foi muito perigoso, independente da onde você esteja inserido e qual seja o seu contexto social, quando você decide ser um ativista socioambiental, pelos direitos humanos, climáticos, seja qual for sua pauta você sempre vai se sentir encurralado a respeito de como se posicionar, de como dialogar sobre aquilo que você acredita”, explica.
No entanto, se ser ativista no Brasil sempre foi perigoso, agora os casos de assassinatos têm aumentado a cada ano, mas nem todos são expostos pela mídia. Por isso a importância de uma rede de ativismo fortalecida para que consiga fortalecer a segurança entre os movimentos.
Valéria acredita que mesmo o tema Amazônia sendo amplamente discutido, pela primeira vez as pessoas estão começando a notar a importância do debate, mas quando se fala em Amazônia são poucas as vezes que ativistas da região ganham espaço para falar sobre seus trabalhos.
“Eu sinto que falta ativistas do norte falando do lugar da onde eles vem, porque a Amazônia, ela é discutida em grandes centros urbanos. Nós vemos esse diálogo ser muito ativo em São Paulo, Rio de Janeiro, mas eu sinto que ativistas locais ainda não são levados tanto em consideração”, pondera.
Para Jander, apesar de Manaus ser uma cidade acolhedora, ao mesmo tempo ocorre uma segregação onde é difícil fazer um ativismo sozinho, até mesmo por conta da segurança. “Ou você se fortalece por meio de organizações maiores ou então você sozinho vai ser um alvo. Existe muito ativismo mas são coisas bem picotadas que não conseguem se comunicar e formar uma rede maior”, lamenta o ativista.
“Precisamos despertar esse agir de forma rápida para a construção de uma sociedade com um olhar mais político”, acredita Beatriz Campelo. l Foto: Arquivo Pessoal
A resistência climática chega nas periferias
Para Beatriz Campelo, ativista do grupo de voluntários da organização Greenpeace, o momento atual pede uma soma de conhecimentos e iniciativas como uma forma de conseguir continuar na luta.
Ela analisa que mesmo com muitos falando sobre a Amazônia, a questão ambiental ainda é um assunto pouco discutido: “As discussões são dentro do âmbito internacional e nacional, mas as pessoas que sofrem diretamente com as mudanças climáticas e lutam por meio da mobilização social não ganham voz”.
Como Jander, Campelo vê nos movimentos artísticos da cidade potencial para difundir a pauta ambiental. “Uma forma que a cidade encontrou de resistir é levantando discussões sociointerculturais por meio da arte. E a arte é algo que toca, mobiliza e denuncia o silêncio e as destruições dentro do cenário atual. Precisamos despertar esse agir de forma rápida para a construção de uma sociedade com um olhar mais político”, reflete.
Marrye ressalta a importância do “trabalho de formiguinha”. “Visto que estamos em um período de negacionismo, para conversar com as pessoas, você precisa de um trabalho prévio, antes de você falar de emergência climática, justiça climática, você precisa sensibilizá-las”, diz.
Mas a ativista aponta que é essencial pensar em estratégias de cuidado e preservação para conseguir fôlego para enfrentar tantos obstáculos, violações e ameaças. “Antes de ser ativista socioambiental, eu sou uma mulher negra, eu tenho que pensar na minha resistência enquanto uma mulher negra, e me manter sã é a parte mais importante”.
Se propor a ser um agente de mudança dentro de Manaus não é fácil: é preciso de um diálogo constante e da esperança de que o ativismo vai conseguir abrir uma série de portas fechadas.
“Quando fazemos barulho de forma física isso causa muito impacto, mas uma boa forma de resistência é votar também”, diz Valéria do Engajamundo, lembrando da alta aprovação do governo do presidente atual Jair Bolsonaro na região.
Andando por Manaus é possível encontrar diversos cartazes de apoio ao governo federal. Porém Valeria tem esperança. “Pela primeira vez nós vemos lideranças indígenas tendo a voz tão forte e chegando nesses lugares”, diz, porém sem perder de vistas os desafios. “Eu sinto que eu, como ativista socioambiental, climática, dentro da minha cidade esse diálogo é mais localizado, centralizado, ele não consegue se expandir para o resto da cidade, quem dirá chegar nos grandes espaços de diálogo”, conclui.