Gênero, raça e classe
Quem trabalha sob esse regime convive com exaustão e o que seria “tempo de folga” para desfrutar de lazer, vira tempo de trabalho, só que em casa. Trabalhadores concordam que não existe tempo livre tendo em um único dia da semana longe do local de trabalho. Esse tempo geralmente é o período destinado para organização da casa e da rotina para a volta ao trabalho.
Essa realidade acende a discussão sobre raça e gênero. É que a situação afeta principalmente mulheres negras, que recebem os menores salários e enfrentam as piores condições de trabalho. As disparidades estruturais refletem as desigualdades históricas.
Dados do IBGE sobre informalidade e desemprego mostram que o mercado de trabalho é sexista e racista. A pesquisa mostra a disparidade salarial e informa que pessoas pretas e pardas vivenciam mais o desemprego do que as brancas. Quando estão empregadas, as pessoas negras recebem salários menores e são maioria na informalidade.
A lógica da produtividade a qualquer custo tem aprofundado a precarização também entre jovens periféricos e trabalhadores rurais, que enfrentam ainda o racismo estrutural e a negação sistemática de direitos trabalhistas.
Um relatório da Oxfam Brasil indica que mulheres e pessoas negras são as maiores vítimas das consequências da informalidade no trabalho rural. De acordo com a pesquisa, quase 70% das trabalhadoras e trabalhadores são negras e negros e 58,3% trabalham sem as garantias da legislação trabalhista. A desigualdade também se expressa nos salários. Segundo os dados levantados, homens negros ganham 59,8% e mulheres negras 61,6% a menos que a média. A informalidade atinge 46,1% da população preta e parda.
Os dados indicam a necessidade de uma transformação profunda no campo trabalhista. Apesar das conquistas históricas – fruto de intensas lutas dos trabalhadores e movimentos sociais e sindicais – a evolução e os direitos conquistados até agora ainda são insuficientes para garantir uma proteção plena e justa.
Foi com esse propósito – de resistência frente à exploração – que nasceram os movimentos sindicais no século XVIII. Diante de jornadas exaustivas, baixos salários e ausência de direitos, a organização coletiva se tornou uma ferramenta fundamental para reivindicar melhores condições de vida e trabalho.
O Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxista Intermunicipal do Estado de São Paulo (SindimotoSP), surgiu no final da década de 1980 com a necessidade de defender os interesses da categoria. O diretor-presidente do sindicato, Gilberto Almeida, o Gil, afirma que atualmente a categoria enfrenta diversas formas de precarização “desde o descumprimento de proteção das leis trabalhistas e o afastamento desses trabalhadores das convenções coletivas, dos acordos coletivos da justiça do trabalho e dos instrumentos de proteção do ecossistema das leis trabalhistas até a desregulação e desproteção dentro do universo das leis relacionadas à proteção e à segurança do trânsito”.
Gil informa ainda que questões que envolvem a segurança no trânsito são ignoradas. Segundo o SindimotoSP, entre janeiro de 2024 e janeiro de 2025 morreram 900 motociclistas.
Por causa desses problemas, o grupo tem criado mecanismos para contrapor questões de desregulação, segurança e outras formas de precarização. “A gente vem atuando em diversas frentes, tentando contrapor o lobby dessas empresas. Principalmente nas Câmaras de Vereadores, no Congresso e no Senado, também nas ruas, no fortalecimento, no apoio às manifestações, como as próprias greves. Nós denunciamos fraudes trabalhistas e todas as questão relacionadas à precarização. Toda essa questão de enganação. Toda essa parte voltada para a questão do dumping social das empresas. E aí onde está a nossa atuação. No enfrentamento”, explicou Gil.
Existe um processo claro precarização no trabalho de entregadores, como os que atuam em plataformas como Uber, iFood, Rappi e motoboys independentes.A precarização do trabalho nesses setores pode ser entendida de diversas formas, evidenciando a ausência de direitos, a instabilidade e as condições desfavoráveis que os trabalhadores enfrentam no dia a dia.
Ricardo Antunes explica que parte importante da classe trabalhadora brasileira atua em plataformas com o objetivo de ter maiores salários. Mas para isso, acabam trabalhando até 14 horas (ou mais) por dia. “A pessoa destrói o seu corpo produtivo. Morre mais de um motoqueiro entregando produtos em São Paulo por dia. Adoecem trabalhadores e trabalhadoras que trabalham em motos, em bicicletas, intensamente perdendo partes do seu corpo, quebrando partes do seu corpo, afetando a sua cabeça. Há um conjunto imenso de trabalhadores jovens que começam a trabalhar nas plataformas e acabam ficando longos períodos sem nenhum direito. A greve dos trabalhadores de aplicativos mostrou que é inaceitável o nível indigno de remuneração que eles recebem e os níveis precários que pautam as suas condições de trabalho”, disse.
Durante todo o ano é fundamental pautar os direitos dos trabalhadores e discutir o direito ao descanso – que deveria ser um direito inegociável, mas virou um privilégio acessível a poucos.
“É preciso resgatar um trabalho dotado de algum sentido e isso é que as lutas sociais fazem”, finaliza Ricardo Antunes.