“Ao atingir o coração da república, suas obras de arte, seus símbolos, que a sociedade branca hipócrita perceba o quão injusta e racista é”, diz Luh Ferreira, da Escola de Ativismo.
Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Estava na rua com amigos quando soube que estavam quebrando os prédios da Esplanada.
Primeiro pensei: uai?
Mas será que o Lula fez alguma coisa e tá rolando jornadas de junho replay?
Será que ocorreu alguma morte na favela?
Qual criança, jovem, mulher, cadeirante morreu para causar essa revolta?
Será alguma liderança indígena ou quilombola?
Algum Sem Terra?
Terá algum pobre, preto portando um vidro de pinho sol, confundido com algum liquido inflamável, sido violentado e morto?
Será que foi um motoboy asfixiado no porta malas de uma viatura policial?
Não, em nenhuma dessas situações ocorreu um quebra quebra nos prédios da Esplanada.
Mas, penso “Com certeza deve estar rolando uma guerra lá, pois é muito difícil chegar perto desses prédios”.
Frequento Brasília há muitos anos. E a única vez que vi uma galera chegar até a cúpula do Congresso Nacional foi em 2013. Eram muito mais de quatro mil, eram cerca de duzentas mil pessoas e a polícia seguia ali protegendo os prédios que são também obras de arte, símbolos da democracia e da ordem institucional.
O Congresso foi tomado aquele dia, ocupado. Mas nem de longe os que lá estiveram queriam destruí-lo.
Também acompanho o Acampamento Terra Livre (ATL), atividade que ocorre todos os anos em abril no Distrito Federal, organizado pelos povos indígenas, articulações e organizações indigenistas. E independentemente do governo, sendo ele progressista ou não, à direita ou a esquerda, é sempre muito complicado se aproximar destes prédios. Entrar, então… é quase impossível.
Então, as dúvidas que pairavam sobre a minha cabeça quando vi as cenas de invasão nos prédios da Esplanada, me faziam crer, sem ter muitas informações, que aquilo ali era um grande armazelo.
Aquilo ali era o famoso “com o Supremo, com tudo” mas agora “com governo do DF, com polícia, com tudo” acontecendo.
E aí eu só pensava: quero ver como é que o Lula e a Janja (que já estava indignada com a situação pavorosa do Alvorada…) ia fazer. Eu só queria ver o que o Supremo ia aprontar com tamanha desfaçatez, explicitamente conivente dos poderes de governo e de policia do DF.
Bem, me parece que as providencias foram tomadas: intervenção de 30 dias no DF com um pronunciamento firme do Lula; STF pediu afastamento do governador (com cara de mentecapto); pedido de prisão de secretario de segurança pública do DF (em férias juntinho do dementador ex-presidente e futuro presidiário), pedido de prisão de policiais que foram coniventes com o ataque. E… até agora, mais de 400 cabeças de gado devidamente detidas nos currais, também conhecidos como delegacia ali de Brasília.
É o mínimo que se espera.
É o mínimo, pois quero obviamente que esse ataque seja visto como atrocidade, como ato de brutalidade, violência, como ato de barbárie, desumanidade, monstruosidade. A democracia não pode ser atacada com tamanha orquestração por uma minoria, baixa e vil, como esta.
Mas espero que para além disso, reflitamos sobre outros elementos. Ao atingir o coração da república, suas obras de arte, seus símbolos, a sociedade branca hipócrita perceba o quão injusta e racista é. Todas as vezes que reprime violentamente os trabalhadores que reivindicam direitos, ou quando indígenas exigem a defesa de seus territórios, ou quando a favela desce e diz: “Chega! Nós queremos viver” e é alvejado por bombas e tiros.
Chega de hipocrisia e de tratamento diferenciado ao povo deste país.
Não pode haver anistia aos crimes cometidos contra a soberania popular.
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Por Luh Ferreira, da Escola de Ativismo