Em um país onde lideranças indígenas, ativistas e defensores de direitos humanos enfrentam ameaças que também se espalham pelos meios digitais, cuidar da segurança online virou uma urgência. No Acampamento Terra Livre (ATL) 2025, o Espaço de Cuidados Digitais surge como um lugar estratégico de acolhimento e orientação. Com atendimentos individuais e ações de conscientização, durante os cinco dias de programação o espaço fortaleceu quem luta pelos territórios e pela vida — também no mundo virtual.
O Espaço de Cuidados Digitais é uma iniciatica da Escola de Ativismo em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Com escuta atenta, cuidado e foco na proteção coletiva, a iniciativa reuniu especialistas em segurança digital na tenda da Coiab para orientar quem está na linha de frente das lutas, incluindo lideranças e comunicadores indígenas. Além da Escola de Ativismo, participaram representantes do grupo Semeadores Digitais – programa de educação em cuidados digitais da Escola de Ativismo – que também integram a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e Tapajós de Fato.
Entre os serviços oferecidos estão diagnósticos, ajustes em dispositivos, configurações, distribuição de materiais de apoio sobre cuidados digitais e orientações para que lideranças indígenas e ativistas saibam como se proteger melhor de vigilância, ataques, golpes e invasões virtuais.
Nirvana Lima, jornalista e educadora popular em cuidados digitais na Escola de Ativismo, explica que a tenda de cuidados digitais funcionou como uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). “Ela nasceu da necessidade de se entender a segurança digital como algo tão importante quanto a segurança territorial, uma vez que acesso à internet e acesso à dispositivos digitais é uma realidade na vida de pessoas indígenas e seus territórios. Fazemos recomendações quanto ao uso de senhas, da autenticação de dois fatores, entre outros serviços. Aconteceu de prestarmos atendimentos para casos que não eram previstos e eu acho que isso também é atuar enquanto uma UPA. Estar abertos e disponíveis para poder acolher as necessidades que surgirem e se colocar de prontidão para tentar resolver as situações apresentadas da melhor forma possível”, disse Nirvana.
Com apoio técnico e escuta qualificada, a iniciativa oferece orientações a partir das necessidades dos ativistas que procuram o espaço.
Caique Sousa, do Conselho Indígena de Roraima, é comunicador popular e conta que no espaço foi possível conversar e desenvolver sobre muitas questões de segurança. “A gente têm visto bastante que alguns fatores são muito legais, como a o uso da língua para criar senhas, e questões também de ampliação de saberes. Algumas coisas práticas, que envolvem uso de aplicativos. Esse espaço lembra que a segurança digital também faz parte do movimento indígena”, disse.
Especialistas defendem que cuidados básicos podem fazer toda a diferença na segurança digital de lideranças indígenas e que muitos ajustes necessários para essa camada de proteção são fáceis de resolver.
“As pessoas podem estar expostas a negligência da infraestrutura, com acesso à internet reduzido, por exemplo, ou sem acesso nenhum à internet, à eletricidade, e tem alguns cuidados que são muito importantes de tomar para prevenir os riscos. E aí eu diria que o essencial seriam as configurações mais básicas de privacidade e segurança de aplicativos mais utilizados, a princípio, o WhatsApp. É importante colocar a confirmação de dois fatores. Outra configuração também inicial que eu recomendo é a senha na tela de bloqueio. É preciso garantir isso. Às vezes pode ter informação sensível dentro do celular e por isso ter uma boa senha é importante”, disse Ramires, o Tecnorgânico, que é pesquisador e educador popular, atua na Escola de Ativismo e nos coletivos InfoCria, Cineclube Imbariê Nos Trilhos e InfoLambe.
Tecnorgânico informou ainda que considerando o avanço do uso da Starlink principalmente nas comunidades da região norte do país, outros cuidados são necessários. “Nesse caso, recomendo muito a utilização de VPN para navegação quando você for acessar a internet em local que você não confie tanto em quem está te oferecendo aquela internet”, disse. A VPN torna o tráfego e localização anônimos e reduz a possibilidade do acesso de terceiros às suas pegadas digitais. O uso da tecnologia é altamente recomendado para a segurança de ativistas e defensores de direitos humanos que trabalham com informações sensíveis e confidenciais. Saiba como escolher, instalar e utilizar uma VPN no celular e no computador.
Ediandra Tamires, que também faz atendimentos sobre segurança digital na tenda montada na ATL, é de Santarém (PA), e explica que diversas práticas podem colocar os dados e a privacidade das pessoas em risco, incluindo o uso da mesma senha para vários aplicativos. “E isso é super simples de resolver. A gente consegue redefinir essas senhas e utilizar um gerenciador de senhas. É como se fosse um cofrinho onde coloca essas senhas caso a pessoa não consiga lembrar de todas com facilidade né, e a ativação de verificação de duas etapas, né, de todos os aplicativos”, explicou.
Ativistas da área da tecnologia afirmam que garantir segurança digital é também garantir o direito de existir, de se expressar e de lutar.
Joelson Felix, que é ativista indígena em comunicação e segurança digital e coordenador de comunicações da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), afirma que os povos originários são perseguidos por defenderem seus territórios. Por isso, a proteção no uso de ferramentas digitais é fundamental.
“Assim como a gente luta pelos nossos territórios, defesa dos nossos territórios, em articulações, em junção de povos e criações de organizações, é importante também a gente estar atuando nessa parte da proteção, segurança digital justamente para proteger nossas lutas, nossas causas e fortalecer ainda mais nesses espaços digitais. Assim a gente terá mais autonomia também, no campo de segurança, no campo de comunicação, levando nossas informações de maneira segura”, disse Joelson.
O comunicador popular no Tapajós de Fato, João Paulo Serra, reafirma que indígenas estão expostos a muitas violências, mas que a iniciativa busca garantir que comunicadores indígenas, especialmente na Amazônia, retornem aos seus territórios mais protegidos, conscientes dos cuidados necessários dentro e fora da internet.
“Os indígenas são as populações que mais protegem os territórios. São pessoas que estão diariamente ali nessa frente, estão envolvidas em conflitos, são perseguidos, são vigiados. Então é importante que essas pessoas que fazem comunicação, principalmente na Amazônia, adotem camadas de segurança que deixem elas seguras, tanto no espaço digital, mas também nos espaços, nos territórios onde ela vai. A gente ter esse espaço aqui no ATL é uma forma de colaborar para que os indígenas voltem para os seus territórios mais seguros, que além desses debates que acontecem em paralelo de outros temas, a segurança também seja um tema importante”, finalizou.
Acampamento Terra Livre 2025
O Acampamento Terra Livre (ATL) é a maior mobilização indígena do Brasil e reúne, anualmente, milhares de lideranças de diferentes povos e territórios para fortalecer a luta pelos direitos dos povos originários. Durante o evento, são debatidas pautas urgentes como a demarcação de terras, proteção ambiental e fortalecimento da autonomia no território.na a