Quando e como começou o seu ativismo?
A minha trajetória começa no grito entalado na garganta de uma vida, desde nova me incomodei com o sistema de poder que era colocado as mulheres da minha família, e as violências que vivenciei dentro de casa fez despertar a inconformidade de uma nova sociedade. Sempre influenciada a investir na educação enquanto uma alternativa sistêmica, diziam meus avós e minha mãe “podem roubar tudo de você menos a sua inteligência”. E assim acreditei.
Fui uma criança LGBTI+, mas somente na adolescência tive a oportunidade de me aproximar de debates sociais, climáticos e alinhar a força da comunicação popular enquanto uma ferramenta de mudança para a periferia e populações marginalizadas. Antes de vivenciar o marco da minha militância, eu tive que lutar muito e correr bastante para ingressar na universidade (2021), local onde vivenciei o peso da solidão de ser uma travesti negra naquele espaço, assim, amadureci a consciência de que aqueles muros não foram feitos para educar corpos como o meu, sendo assim busquei a transgressão, idealizei e fundei o primeiro coletivo de pessoas trans da UFF [Rede Transvesti UFF], sendo um mecanismo de sobrevivência a toda violência transfóbica e ferramenta de mudança daquele cenário por meio de um aquilombamento de identidades transvestigêneres universitárias.
Esse foi o pontapé inicial, porque eu sabia que havia muito trabalho a ser feito dentro daquela instituição, o movimento estudantil precisava transcentrar as suas ideias, assim, dirigi junto ao coletivo uma cadeira específica dentro do Diretório Central dos Estudantes uma pasta específica para debater sobre as nossas pautas e demandas. Nós conseguimos, e fui eu a primeira diretora travesti do DCE da UFF, na gestão “Pra Virar o Jogo”.
Dentro da minha gestão alimentei o sonho do movimento social em transformar as paredes das universidades por meio da política de ação afirmativa para pessoas trans e travestis, tornando a UFF pioneira nesse debate dentro do estado do Rio de Janeiro. Nesse caminho de luta dentro da universidade eu trilhei o caminho de transcentrar as pontas e enegrecer os centros de debate de toda a universidade. Assumi essa liderança foi e é uma tarefa muito árdua, mas enquanto houver fôlego de vida, haverá resistência.
Você participou de uma luta pela implementação de cotas universitárias para pessoas trans. Você pode contar para gente um pouco mais sobre esse processo? E também sobre o por que isso é tão importante?
Desde a partida da minha organização do movimento trans universitário a fim de ampliar direitos dentro daquele espaço, nós pudemos notar que de fato éramos muito poucas, afirmados em dados de 0,03% segundo a ANTRA, mas sabíamos que o sonho de adentrar os muros da universidade era um desejo que perpassa muitas identidades. Assim construímos a emergência de debate acerca da política de cotas trans da universidade. No início do coletivo não tínhamos muita legitimidade, mas durante a efervescência do movimento estudantil e em forte articulação com as bases institucionais nós conseguimos romper algumas barreiras do conservadorismo, levando as nossas demandas de maneira focalizada e central para com a reitoria da universidade. Assim, assumimos um compromisso junto à instituição em construir a política de maneira pioneira em todo estado do Rio de Janeiro.
Percorridos Grupos de Trabalho, Grupos de Discussão e incansáveis mobilizações de base em todos os campis da UFF, nós decretamos a latência da questão enquanto algo “cis”têmico da sociedade, sendo necessário a criação de uma Comissão Permanente Transvestigênere que dialogasse e acolhesse as demandas da população trans e travesti universitária. Estivemos enquanto movimento estudantil e movimento social extremamente organizades a fazer surgir a transgressão dos muros da universidade, sob o lema: “Aldear, Aquilombar e TRANSformar a UFF”.
Nenhum direito social surge da benevolência do estado, houve muita violência institucional e muita resistência, mas por pressão social e do movimento trans universitário organizado tivemos o júbilo de glória em aprovar a reserva de vagas em 2% em todos os cursos de graduação e pós-graduação em todos os cursos e campus da Universidade Federal Fluminense. Esse foi um marco muito importante para a nossa comunidade porque delimita o fim da construção de uma ciência e educação sem a contribuição e colaboração das nossas potencialidades, a partir de 2025 teremos pessoas trans e travestis disputando o academicismo branco e construindo novas epistemologias de saberes. Esse foi um passo inicial de devolver aquilo que nos foi roubado pela colonialidade, ainda temos muitos desafios pela frente mas seguiremos adiante reflorestando as mentes ociosas e afirmando que jamais se irá construir um Brasil e uma sociedade sem nossos corpos e identidades.