Por Luiza Ferreira
Para enfrentar a violência e a desinformação, a ARCO criou o chatbot Sofia voltado ao público LGBTQIAP+
Chatbot Sofia conversa com internautas sobre redução de danos, saúde, educação e direitos l Imagem: Reprodução
Pelo quarto ano consecutivo, o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIAP+ em todo o mundo. Entre as regiões brasileiras, o Nordeste lidera a quantidade de homicídios contra essa população, concentrando 43% das mortes violentas, segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB) em 2022.
Em Pernambuco, um dos estados mais violentos para esta população, Carlos Santos e Luan Costa, ativistas dos Direitos Humanos e co-fundadores da ONG ARCO lutam pela garantia dos direitos humanos das pessoas LGBTQIAP+ por meio de ações sociais educativas e de empoderamento. Foi esse cenário adverso que motivou o desenvolvimento de novas ferramentas para reivindicar e defender direitos. Assim nasceu a SOFIA, ou Sistema de Organização e Facilitação de Informações Automatizado, a Inteligência Artificial da organização.
“A SOFIA surgiu a partir da nossa percepção de que se fazia necessário oferecer um serviço informativo e educativo sobre direitos LGBTQIAP+ de forma mais eficaz e veloz”, analisam Carlos Santos e Luan Costa, ativistas dos Direitos Humanos e co-fundadores da ARCO.
No Instagram, sempre surgiam dúvidas dos seguidores da ONG sobre questões relacionadas à testagem, prevenção, redução de danos, entre outros temas. Logo os ativistas tiveram a ideia de compilar as perguntas mais frequentes através de um banco de dados interativo e automatizado, e assim surgiu a ChatBot.
“A gente se juntou com um amigo da área de tecnologia (João Medeiros) e começou a conversar sobre possibilidades… Chegamos na discussão das IAs e de como poderíamos nos apropriar dessas tecnologias para promover transformação social. Levamos cerca de quatro meses para construir tudo. Desde a coleta e curadoria dos dados, realizada pelo Luan até a alimentação da rede neural da Sofia, seus testes, ajustes e finalmente o lançamento. Ela é a combinação de diversas ferramentas de IA”, diz Carlos.
A ideia é que a ferramenta fortaleça a organização em suas missões, como o combate a discriminação e o preconceito e luta pelos direitos da população LGBTQIAP+, a partir dos marcadores sociais de diferença como recortes de “raça, etnia, gênero, terrítorio, gerações, classe, deficiências, orientações sexuais, identidades e expressões de gênero”.
Luan Costa (esq.) e Carlos Santos, co-fundadores da ARCO | Foto: Arquivo pessoal/Divulgação
Como a Inteligência Artificial potencializa o trabalho dos ativistas
Para o ativista, a Inteligência Artificial tem o “potencial de transformar significativamente a forma como ativistas e trabalhadores de direitos humanos realizam seu trabalho, tornando as operações mais eficientes e eficazes”.
Com a IA, as tarefas rotineiras são automatizadas e aliviam a carga de trabalho dos ativistas, assim eles podem se concentrar nas questões que “requerem um toque humano”, como advocacy, planejamento de campanhas e construção de redes. Outro benefício é o monitoramento da situação dos direitos humanos em diferentes lugares para a identificação de tendências emergentes através da coleta e análise de dados.
“A IA, como a SOFIA, tem o potencial de alcançar uma ampla audiência, cruzando fronteiras geográficas e barreiras sociais. Ao utilizar canais digitais populares, como as redes sociais, essas ferramentas podem chegar a indivíduos em áreas remotas ou marginalizadas que podem não ter acesso fácil a serviços de apoio”, completa Luan.
SOFIA foi projetada desde o início para ser um recurso acessível e fácil de usar, e, por isso mesmo, foi incorporada ao Instagram, uma das plataformas de comunicação mais populares atualmente.
Para utilizar a ChatBot SOFIA, é só acessar o perfil da ONG ARCO no Instagram, clicar no ícone de mensagem, “Direct Message” ou “D.M” e digitar “Olá Sofia”. Pronto, em resposta o usuário receberá uma mensagem de boas-vindas e será direcionado para o menu principal da IA.
“Quando um usuário interage com a SOFIA, ele pode acessar uma variedade de informações úteis organizadas em menus claros e concisos, incluindo informações sobre identidade de gênero, orientação sexual e diversidade, ferramentas jurídicas e de segurança, informações sobre saúde e prevenção de ISTs, e informações sobre redução de danos relacionados ao uso de substâncias psicoativas”, ressalta Carlos.
Entre as opções do menu principal, estão “Sala de Aula” para informações educativas sobre questões LGBTQIAP+, “Kit Gay” para acesso a ferramentas jurídicas e de segurança, “Cura Gay” para informações relacionadas à saúde, e “Redução de Danos” para informações sobre substâncias psicoativas.
E para a SOFIA não tem tempo ruim: ela está disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, “proporcionando acesso imediato à informações críticas sempre que necessário”.
Quem tem medo da Inteligência Artificial?
Hoje em dia a Inteligência Artificial está presente em quase todos os aspectos das nossas vidas, desde os chatbots até os algoritmos de recomendação ao navegar na Internet. E essa onipresença incomoda, principalmente quando falamos de segurança e privacidade de dados pessoais. Apreensões como essa são cada vez mais comuns e compreensíveis, visto que o impacto total das IA’s na sociedade ainda é desconhecido.
“A inteligência artificial é uma tecnologia extremamente poderosa e versátil que tem o potencial de transformar muitas áreas da nossa sociedade, além do campo ativista. No entanto, como todas as tecnologias poderosas, também vem com seu conjunto de desafios e preocupações que precisamos abordar de maneira responsável e ética. A gente não deve nem santificar nem demonizar. São “apenas” ferramentas, o nosso uso é o que vai agregar um valor”, comenta Carlos.
Para Luan, a IA tem um papel crucial no ativismo de ajudar a identificar padrões de discriminação, violência e injustiça social, fornecendo dados e insights valiosos. Além disso, ela pode auxiliar a tornar as cidades mais eficientes e sustentáveis, como pode exemplo a implementação de sistemas inteligentes de tráfego e energia, bem como “proporcionar novas formas de engajamento e mobilização, como vimos com a SOFIA”, acrescenta.
Entre os muitos desafios para a criação da SOFIA se destacam a falta de recursos financeiros e o longo processo de coleta de dados e curadoria de informações confiáveis.
O apoio estratégico e financeiro é crucial para iniciativas como a SOFIA, defendem os ativistas. Só assim é possível continuar aprimorando a plataforma e expandindo seu alcance, “tornando-a uma ferramenta ainda mais eficaz na promoção da educação, conscientização e suporte para a comunidade LGBTQIAP+”, finaliza Luan.