Por Sigifredo Romero Tovar

O que ocasionou a vitória da primeira chapa da esquerda na Colômbia? Em artigo, o filósofo colombiano Sigifredo Tovar analisa o evento à luz da história de nosso vizinho latino-americano.

 

A vice-presidenta Francia discursa no palanque da vitória. “É uma revolução moral”, aposta o filósofo. l Foto: Página de Facebook de Gustavo Petro/Reprodução

Há exatamente 20 anos, não havia nada mais incrível na Colômbia do que Álvaro Uribe Vélez (2002-2010). O salvador da pátria, a esperança de todo o país, o maior fenômeno político em 50 anos. Ele chegou para resolver o problema da guerra, por meio da morte, para sempre. Todo mundo era uribista na época. Ele era o cara.

Hoje ele deve estar se narco-lembrando amargamente disso lá na sua narco-fazenda, agora que seu tempo parece ter acabado. Uribe, narcotraficante e paramilitar como poucos, o homem mais poderoso da Colômbia em décadas, governou oito anos – coincidindo mais ou menos com os oito de Lula – e depois continuou sendo o protagonista principal da novela política nacional. Nas eleições de 2018, conseguiu obter a maioria no Congresso e colocar uma marionete sua na presidência: Iván Duque (2018-2022).

No próximo 7 de agosto, termina o governo dos narcotraficantes e assassinos e começará o governo do esquerdista, do ex-guerrilheiro Gustavo Petro e da militante negra e ex-empregada doméstica Francia Marquez. O mandato da pele escura, dos negros, dos indígenas, das feministas, da galera LGBTQIA+, das vítimas, dos defensores de direitos humanos, dos direitos dos animais e dos defensores da natureza – o termo “ambientalista” nunca é suficiente.

É como se de repente aparecessem no governo todas as pessoas que não aparecem nas novelas da Globo. É uma revolução moral. As mudanças que estão ocorrendo nas instituições políticas colombianas nunca tinham acontecido em toda a sua história. Estamos testemunhando muitas primeiras vezes. Mas é só porque a grande mídia é burra e o Estado é lerdo. Os dois são imorais e o povo sempre é, como no Brasil, superior e mais rápido.

O que é a Colômbia: em três tempos

Se sobre a Colômbia você não sabe nada de nada, vou te dar a grande enciclopédia de tudo o que você tem que saber sobre o país em três parágrafos. Se sabe, pode pulá-los. Quanto mais ao norte do Brasil você for, mais tudo se parece à Colômbia. Deixa o sul de fora, óbvio. No entanto, se você está na Colômbia, quanto mais pra cima você subir na montanha, mais diferente é do Brasil. A mestiçagem indígena, espanhola e africana lá foi intensa, migração europeia posterior, quase nula.

A maioria dos 50 milhões mora nas montanhas mas a população também é numerosa no litoral. Há menos gente na região amazônica e nos Llanos orientais, as grandes savanas vaqueiras — os llaneros são os gaúchos, os cowboys – cuja cultura é compartilhada com a Venezuela. Oito milhões de desgraçados moram na capital Bogotá que, verdade seja dita, é a cidade mais feia que eu já vi. Tem bastante gente em Antioquia, uma  terra intensa, cheia de contrastes e orgulhosa. Antioquia é protagonista, mais do que Bogotá, tanto da história do café quanto da história da cocaína, as duas drogas que fazem a fama do país. Já a região Caribe é deliciosa, tranquila, quente pra caramba, mais pele à mostra, García Márquez, vallenato e cumbia, mais viciantes ainda do que café e cocaína. Finalmente existe (existe!) o litoral Pacífico, africano, selvático, menosprezado e molhado todos os dias em muitas águas: o mar Pacífico, a chuva intensa, os grandes rios que vêm do sul e procuram o norte. A Colômbia com frequência tem uma vibe muito parecida com a brasileira, uma tropicalidade, uma tranquilidade, uma alegria, uma festividade, uma emocionalidade, ficar só de shorts e sem camisa.

E, finalmente, a guerra, a violência, a exploração brutal por parte das elites econômicas, o terrorismo de estado, os exércitos paramilitares, as chacinas que envolviam vilarejos inteiros e que duravam vários dias, mortes por motosserra, morte para os indígenas, os comunistas, as pessoas em situação de  rua, os deficientes, os mais de 4 mil membros de um partido de esquerda chamado Unión Patriótica, tortura, desaparição forçada sistemática, desterro de milhões de camponeses, estupro de crianças, a violência intensa dos cartéis, brigas de vizinhos que terminam em bala e tripas de fora, sequestro, extorsão, minas terrestres antipessoais, o exército bombardeando vilarejos, homens jogando ácido nas mulheres que os rejeitam, empalamento, todo tipo de jogos macabros com o corpo, carros-bomba, colares-bomba, cartas-bomba, bikes-bomba, burros-bomba, pessoas-bomba, aviões-bomba, tantas cagadas que as guerrilhas de esquerda fizeram também, medo, pavor, terror da noite, da paisagem, do pai. O lugar é um manicômio e uma chacina. Colômbia. Não consigo ser mais conciso do que isso.

Sessenta anos de guerra

O Pacto Histórico, a coalizão de esquerda liderada por Gustavo Petro que ganhou a presidência nas eleições de 19 de junho deste ano, também foi o movimento político mais votado nas eleições para o congresso que ocorreram um pouco antes, no dia 13 de março. Mais uma primeira vez. O Pacto agrupa grande parte dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda, incluindo o Partido Comunista e o Polo Democratico — esse último o partido de esquerda mais importante das últimas décadas. Todos eles sobreviventes do genocídio político colombiano.

A guerra e a violência na Colômbia são fenômenos muito complexos, permeiam todos os âmbitos da vida dos indivíduos, são parte constituinte das identidades, mudam de região para região e têm muitos ciclos. Problemas socioeconômicos e políticos mal resolvidos levaram a uma violência bipartidária extrema entre liberais e conservadores nas décadas de 1940 e 1950. Os problemas não foram resolvidos e nas décadas de 1960, 1970 e 1980 nasceram muitas e diversas guerrilhas. Guerrilhas marxistas, guevaristas, maoístas, nacionalistas, urbanas, camponesas, indígenas, operárias, etc. As Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia, as FARC, são as mais importantes nessa profusão toda. Na década de 1980 irromperam os narcotraficantes com seu poder ilimitado. Pablo Escobar, líder do cartel de Medellín, capital da Antioquia, é só o mais famoso. Torturou, matou, estuprou, sequestrou, comprou consciências e explodiu os corpos de milhares de pessoas nos lugares mais inusitados. Naquela época surgiu e prosperou ainda o paramilitarismo. Los paracos são narcotraficantes, militares e ex-militares, latifundiários, coronéis e até mesmo ex-guerrilheiros, que cumpriram vários propósitos: eliminar o dissenso e o pensamento, matar sindicalistas para as corporações estrangeiras, apavorar camponeses e expulsá-los de suas terras para roubá-las, matar y recontramatar comunistas, gays, maconheiros, ou seja, matar a vida em si.

O auge paramilitar foi em 1997, quando os diferentes grupos conformaram um exército de alcance nacional chamado Autodefensas Unidas de Colombia, AUC. Poucos anos depois, com o paramilitar Álvaro Uribe Vélez (2002-2010) a situação foi propícia para negociarem com o governo boas condições de desmobilização. Nunca a Colômbia foi tão paraca como naquela época. Numa ocasião, o congresso nacional louvara fervorosamente os chefões paracos em patriótica homenagem. As AUC desapareceram, o paramilitarismo persiste.

Petro, Uribe e a paz

Como Garcia Márquez, Gustavo Petro nasceu no Caribe e estudou lá, em cima da montanha, em Zipaquirá. Foi um membro não muito destacado — ele era jovem — do grupo guerrilheiro M-19. O grupo tinha em sua composição uma galera mais urbana do que as outras guerrilhas e se caracterizava por sua espetacularidade. Eles fizeram marketing de expectativa antes de se assumirem publicamente e seu primeiro ataque foi — pasmem — a um museu em Bogotá. Roubaram a espada de Simón Bolívar. Bolívar, a tua espada volta à luta! A guerra é tanto que é também símbolo. O M-19 nasceu porque as elites roubaram as eleições de 1970 de um velho militar populista, um Getúlio vetusto e a destempo.

Eu vi o Petro na TV há pouco menos de 20 anos. Era senador do Polo Democrático e denunciava uma realidade vigente ainda hoje: que os paramilitares estão no congresso, no governo, nas forças armadas, nos governos departamentais, nas prefeituras, entre os ruralistas claro, na indústria da palma africana, nas empresas estrangeiras mineiras e bananeiras e nos escritórios mais altos, espaçosos e limpos dos bancos.

Isso me lembra uma cena de Narcos. Wagner Moura como Pablo Escobar sonha que é recebido como presidente na Casa de Nariño. Numa cena incomparavelmente melhor, o chefão Vito Corleone fala para o seu filho Michael que tinha uma outra expectativa para a vida dele; ele queria que seu filho não só tivesse poder, mas também respeito: “… senator Corleone, governor Corleone…”

Quando o ex-governador de Antioquia, Álvaro Uribe, chegou à presidência em 2002, a grande maioria nem sabia ou se negava a acreditar naquilo que já sabiam tanto os bandidos como os norte-americanos: que o ex-senador Uribe, das entranhas do cartel de Medellín, era na verdade a herança mais maldita, o presente mais abominável de Pablo Escobar para a Colômbia. A chegada de Álvaro à presidência em 2002 foi a realização do sonho de Pablo, nove anos depois da morte do capo em 1993.

Uribe, el patrón, narcotraficante, paramilitar e assassino em massa. Durante seu governo o aparelho de inteligência da época, o DAS, estava nas mãos dos paramilitares. Uribe vê Pinochet, vê o Medici e ri. Muitos poucos mortos para ele. Ele matou mais, muito mais. Também cometeu diversos outros crimes: ele conhece a lei como ninguém porque ninguém foge tanto dela. Uribe, o bandido mais bem-sucedido na história de um país que tem a sua história cheia de bandidos terríveis.

E depois de quatro anos na presidência ele quis seguir matando, reformou a constituição, que não permitia a reeleição, e comprou congressistas com cartórios para poder governar mais quatro. E depois de oito anos ainda queria mais — mas a lei não permitiu dessa vez. Então ele quis botar um lacaio, seu Ministro de Agricultura, na presidência. Lamentavelmente, o lacaio tinha organizado um esquema para tirar milhões dos camponeses e encher ainda mais os bolsos dos seus amigos riquinhos. O ministro virou foragido e foi extraditado à Colômbia recentemente. Supostamente ele hoje está pagando por seus crimes num resort militar.

Então, em 2010, impedido pelas circunstâncias de pôr uma marionete de presidente, Uribe teve que confiar em quem não confiava, seu ministro Juan Manuel Santos (2010-2018), um príncipe dourado da elite bogotana que antes de saber ler já sabia que seria presidente só olhando para as fotos de família. Foi ministro da morte de Álvaro Uribe e antes disso ministro de outras atrocidades em outros governos, fanático neoliberal e antissocial da pior categoria. Mas ele fez uma coisa boa: o Processo de Paz com as FARC. Recebeu o Nobel de Paz como outros grandes assassinos, Barack Obama e Henry Kissinger.

Não foi por Santos — senão porque as ruas, as selvas, os campos, e as cidades da Colômbia estão cheios de gente milagrosa que movimenta o país todos os dias e todos os dias é capaz de derrotar o Estado e seus donos – que o Processo foi muito importante para transformar o país. De um dia para outro havia muitos menos mortos e os jornais tinham menos batalhas para informar.

As elites e a mídia por elas controlada afirmaram durante anos que a Colômbia era muito boa e tinha muitas possibilidades, mas que lamentavelmente os guerrilheiros não deixavam o povo progredir para poder ser como os norteamericanos. As FARC eram a maldade absoluta em um sentido quase bíblico.

Até que um belo dia, graças ao Processo de Paz, os colombianos acordaram num país sem FARC e repararam que continuavam ferrados do mesmo jeito. De fato, eles tiveram que prestar mais atenção aos políticos sorridentes tirando descaradamente o dinheiro da saúde, das mães, da educação, das crianças, dos deficientes, dos velhinhos, dos doentes, dos trabalhadores. É mais difícil enxergar o escândalo diário das elites roubando legalmente as pessoas do seu tempo, da sua alegria, da sua família, da comida gostosa e do ar. Assim, quando a pessoa perguntava, como dom Hélder, “Por que são pobres?” a resposta “Guerrilheiro, terrorista!” já não colava. Tiveram que começar a dizer “Venezuela!”. Só que a Venezuela não tinha estourado bombas nem sequestrado ninguém, então o efeito não foi o mesmo.

O Processo de Paz (2012-2016) foi o começo do fim do uribismo que havia chegado ao poder com a promessa de acabar com a guerra por métodos violentos depois de vários processos de paz malsucedidos nas décadas de oitenta e noventa. Uribe e os seus se opunham ferozmente ao Processo e o sabotaram. Todas as obscenidades que Uribe tinha cometido no Processo com os seus amigos paramilitares em 2002-2006, os uribistas inventaram que houve no processo de 2012-2016. Que o Santos era das FARC, falaram. Dizer que Santos é comunista é como dizer que Elon Musk é petralha ou cientista. Hoje em dia eles continuam atacando a paz e promovendo a guerra. Mesmo assim, graças à pacificação da época de Santos, o mais importante aconteceu, o povo começou a reverdejar.

Também me lembro de Petro na época do Processo quando era prefeito de Bogotá. Deram um golpe nele em 2014 mais rápido que o golpe na Dilma em 2016 só que depois de umas poucas semanas tiveram que restituí-lo. Foi bem naquela época que a petrofobia tomou a sua forma atual: Petro é um perversor de almas que fecha igrejas e abusa das freiras, um ser malvado que acende velas ao Chávez, que quer que a Colômbia vire Venezuela como um Zeus das placas tectônicas, que sequestrou o filho do Lindbergh, que matou Papai Noel e que é culpado de tudo aquilo que antes era culpa das FARC. Posso dizer que Petro governou em  Bogotá para os mais oprimidos e desprezados e que graças a ele meu sobrinho de 20 anos hoje estuda numa sede da Universidade Distrital de Bogotá que fica em Bosa, um bairro de pessoas de carne e osso que nunca aparecem nos postais turísticos.

A última vez que o Petro havia se candidatado à presidência foi em 2018. Essa vez ele perdeu para Iván Duque, o pau-mandado do Uribe que, entre outras coisinhas, ganhou porque seus amigos narcotraficantes investiram uma boa grana nele, em sua vice-presidente de família narcotraficante, e em seu partido que é o partido dos narcotraficantes.

Duque, pau-mandado dócil, mas também guloso, do Uribe, é um carinha mediano, sem mérito algum. E aí Uribe se estrepou porque o Duque pode ser muito assassino, sim, mas o principal é que ele é (era, já era) um inepto de pobre intelecto e inexperiente — ainda hoje depois de quatro anos de presidência. É só escutá-lo falar para reparar na sua idiotice, e o seu foi o governo dos idiotas, dos falsificadores de títulos, dos medíocres, dos racistas, dos oportunistas, dos mentirosos, dos puxa-sacos dos norte-americanos.

Francia e o povo

E Francia, quem é? Há muitas como ela no Brasil. Negra da região do Pacífico, defensora da natureza e da comunidade, filha de parteira. A primeira vez que soube dela foi porque recebeu um prêmio muito importante. Como isso aconteceu nos Estados Unidos, a mídia colombiana foi obrigada a dar a notícia. Isso não impediu que o regime de narcos que a mídia defende tentasse ainda matá-la. E ainda assim a mídia não viu, não acreditou e não entendeu o que aconteceu quando no passado 13 de março, na consulta do Pacto Histórico, Francia recebeu quase 800 mil votos, para grande inveja dos políticos de sempre que têm todo o dinheiro, toda a atenção da mídia e todas as máquinas políticas.

A proposta política de Francia é de uma radicalidade tanto revolucionária como ancestral que é o oposto do desenvolvimento capitalista e do Estado liberal pois não vem de Paris nem de Washington nem de John fucking Locke. A proposta é vivir sabroso, viver gostoso, curtir. Isso inclui tudo aquilo que não seja vender a vida por horas aos opressores nem poluir a terra por eles. É uma filosofia que vem do povo e não se ensina em faculdade nenhuma.

E foi no  povo que aconteceram as transformações profundas que culminaram na vitória eleitoral. Eu soube disso em um dia de setembro de 2020 quando um cara, não um líder, não um defensor de direitos humanos, um cara que era só um cara normal chamado Javier foi assassinado pela polícia de Bogotá. Até aí nada de novo. A novidade foi que as pessoas atearam fogo no prédio policial onde ele foi assassinado, fizeram protestos, a cidade feia foi incendiada e a polícia assassinou mais uma dúzia de pessoas no que constituiu mais uma chacina cometida pelo Estado colombiano.

No ano seguinte, quando o governo de Duque propôs uma reforma tributária para empobrecer o pobre e enriquecer o rico, a Colômbia foi para as ruas de novo. Os que saíram eram principalmente jovens, quase crianças, apenas com idade suficiente para saber que na Colômbia não tinham futuro além de uma vida de bicos, desemprego e humilhação. O chamado estallido social. Porque é isso, as pessoas estouram. Eu que cresci no medo reparei que aquilo era diferente dos outros protestos que tinha visto antes por um fator importante: a duração da luta. As pessoas foram para a rua sem pensar no regresso com uma raiva contida por décadas.

A cidade ardeu de novo, a grande mídia chorou pelos vidros quebrados e os pneus carbonizados enquanto o Estado saiu para massacrar de novo. A polícia e os paramilitares mataram dúzias, dúzias e mais dúzias, arrebentaram os olhos das crianças, torturaram transeuntes, estupraram mulheres e culparam as vítimas. Iván Duque os animava a matar. Tantos mortos no povo e tantos assassinos na força policial, começando com Duque, marcaram a morte de uma era, a era Uribe.

E no meio disso tudo, nos últimos 20 anos se popularizaram a internet e os celulares. Na minha época a internet estava ainda chegando e se usava bastante o telefone fixo. As pessoas se informavam principalmente pelos dois canais privados da TV nacional. Hoje, a grande mídia continua falando as suas mentiras, só que há jornalistas em potencial em cada esquina do país e em qualquer aparelho você pode acessar a imprensa internacional, os arquivos de qualquer coisa, tudo. Meu sobrinho de 20 anos, celular em mãos, só assiste telejornal para gargalhar das mentiras da mídia.

Por conta de muitas razões muito diversas que nem sempre tiveram a ver nem com a Francia nem com o Petro, caiu neles a oportunidade do impossível. Talvez antes deles houveram outros que mereciam mais, só que os rumos da história são moralmente inescrutáveis. Eles permaneceram de pé depois de uma longa lista de mortos. Os assassinos não conseguiram matar todo mundo.

A vitória do 19 de junho foi dada a eles pela idiotice dos seus inimigos que geraram uma oportunidade histórica para o Pacto. Francia e Petro, insubordinados de sempre, sobreviventes, militantes sem descanso, mantiveram a esperança nos tempos mais escuros. Agora parece que foram recompensados por isso. Recompensa nenhuma. O poder deveria ser um dever. Veremos se Petro e Francia estarão à altura do que virá. Daqui pra frente corresponde a eles a pior das responsabilidades.

A responsabilidade lhes foi dada pelas pessoas que votaram, as que não aguentaram a vergonha e saíram para a rua e por muitos outros que estão mortos agora. Nos últimos três anos aconteceram coisas na Colômbia que não aconteciam há décadas. Isso porque o povo em que eu cresci, cabisbaixo e assustado, o povo da era Uribe, hoje é outro povo.

Claro, seguimos sendo indígenas, negros, cholos, descamisados, nadies, camponeses, ñeros, trabalhadores, maricas, amigos incorruptíveis e mães solteiras. O que eu quero dizer é que hoje em dia tem gente que cresceu sem medo. O que mudou foi o povo. Essa é a magnitude da mudança que está acontecendo agora mesmo na Colômbia. E o povo persistirá criando coisas novas, coisas além de nós mesmos, além de Francia e Petro. Só o povo pode salvar o povo.

*Sigifredo Romero Tovar é filósofo ecosocialista formado em Historia pela Universidad Nacional de Colombia e em Estudos da Religião pela Florida International University. Atualmente, seu interesse acadêmico é a superação do capitalismo para que a humanidade não derreta de calor. Contato: srome039@fiu.edu 

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