Escola de Ativismo

“Mentira verde”: os impactos das falsas narrativas propagadas por empresas e governos

Corporações de petróleo, mineração e agronegócio estão cada vez mais presentes nas Conferências do Clima, mas seus discursos são pouco condizentes com suas práticas e prejudicam a luta climática nos territórios; ativistas discutem possibilidades para enfrentar o problema.

Moradores observam a destruição causada pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), em 2019. Foto: Lucas Shariff / Mídia NINJA

 

A organização de jovens ativistas climáticos Engajamundo fez parte, em 2023, da pressão popular sobre a mineradora Braskem – que impactou negativamente dezenas de milhares de pessoas devido à exploração de sal-gema na cidade de Maceió (AL) – para que esta desistisse de sua participação na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 28, que aconteceu em Dubai. À época, uma mina da empresa havia acabado de explodir na capital alagoana, o que mobilizou falas de ativistas ambientais na Conferência e provocou uma comoção midiática.

Um ano depois, na COP 29 em Baku, no Azerbaijão, a coalizão de entidades Kick Big Polluters Out (KBPO) [em tradução livre, Expulse os grandes poluidores] identificou ao menos 1.773 lobistas de petróleo e gás no evento, número que supera as delegações dos países mais afetados pela crise climática.

Esses exemplos mostram como a presença de grandes corporações historicamente poluidoras em espaços climáticos não é nova e configura práticas chamadas de greenwashing, traduzido como “maquiagem verde”, “lavagem verde” ou “mentira verde”. Segundo Julia Catão Dias, coordenadora do programa de consumo sustentável e responsável do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), essas expressões “são todos os discursos e modelos que, de alguma forma, encobrem as práticas destrutivas de sempre.”

Julia Catão Dias, coordenadora do programa de consumo sustentável e responsável do Idec. Foto: Divulgação

Isso pode estar em um rótulo de um produto, exemplifica a cientista social e advogada, mas também em um relatório de sustentabilidade ou em negócios específicos, como o mercado de carbono: um mecanismo que precifica e permite a compra e venda de créditos de carbono com o objetivo de compensar as emissões de gases de efeito estufa que agravam o aquecimento global. “As falsas soluções tentam criar métricas e compensações para coisas que não são compensáveis”, diz Julia, ao explicar que a publicidade enganosa e abusiva já é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, mas faltam contornos para o que é, exatamente, o greenwashing.

As falsas soluções são novas formas de expropriação dos territórios e de ataque aos direitos humanos, acrescenta Letícia Tura, diretora executiva da FASE, organização que integra a Cúpula dos Povos e atua, desde 1961, no fortalecimento de grupos sociais para a garantia de direitos, da democracia e da justiça ambiental.

Ela afirma que o greenwashing é um instrumento para ampliar os conflitos socioambientais e as desigualdades no campo. Segundo Letícia, é preciso denunciar a prática, mas também viabilizar as proposições locais que já existem e que precisam de mecanismos de implementação e políticas públicas.

“Existem muitas soluções reais acontecendo nos territórios rurais, urbanos e maretórios, com proposições que nos dão várias orientações, pistas e diretrizes de quais seriam os caminhos para o enfrentamento às mudanças climáticas”, continua a diretora da organização.

Contudo, não são apenas as empresas que adotam essa postura. Julia e Letícia citam, como exemplo, o governo brasileiro, que faz discursos de compromisso e metas climáticas, mas defende a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, uma das áreas mais socioambientalmente sensíveis do Planeta. A atividade é considerada de alto risco por diversos institutos de pesquisa e, conforme mostrou o físico especializado em mudanças climáticas e pesquisador do ClimaInfo, Shigueo Watanabe Jr., poderia emitir até 4,7 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera.

Colocar alternativas em uma prateleira é um dos pontos centrais da mentira verde. “Quando essa solução vem muito fácil, acho que é o primeiro alerta de lavagem verde, pois é o movimento de vender soluções dentro da pauta socioambiental”, defende Alessandra Pipa, ativista do Eco Pelo Clima e do movimento Negro e Popular no Rio Grande do Sul.

Jaiane Bruna, ativista do Engajamundo no Alagoas e integrante do Observatório Caso Braskem, concorda ao argumentar que “as empresas vendem uma narrativa tão bonita que a gente acredita”, mas ressalta que a discussão precisa ser feita de forma interseccional. “A Vale [empresa que foi responsável por um dos maiores crimes ambientais da história, no qual morreram 270 pessoas e houve o derramamento de 13 milhões de metros cúbicos de rejeito em Brumadinho (MG)] apoia vários projetos de cultura. Então, é difícil para algumas organizações que são pequenas e querem fazer projetos ambientais recusarem esse dinheiro”, explica.

Essa disputa é desigual, apontam as especialistas, pois as grandes corporações e Estados têm montantes de dinheiro, contratam artistas e influenciadores e instrumentalizam a imprensa.

“Como eles têm muitos recursos para propagandas, vão construindo narrativas para que, no imaginário, esses grandes poluidores sejam os grandes sujeitos da solução”, completa Letícia.

Os impactos das mentiras verdes

Para Alessandra, a mentira verde “torna ainda maior o rombo da desigualdade da informação”. Ela cita a
desproporcionalidade que já existe nos espaços de poder sobre o clima, majoritariamente dominados por homens brancos. Segundo a ativista, isso está relacionado ao processo de individualização dos problemas e das soluções, que rouba o potencial de imaginar futuros coletivos e transforma tudo em mais um produto a ser vendido e comprado.

Alessandra Pipa, ativista do Eco Pelo Clima. Foto: Arquivo pessoal

Com isso, é adicionada mais uma camada para o ativismo climático. Agora, afirma Julia, “não basta lutarmos contra os modelos destrutivos que a gente já conhece. Também precisamos identificar as narrativas e discursos, e investigar se as práticas das empresas estão, de fato, condizentes.”

Um dos graves riscos ocasionados é que “não existe um enfrentamento real do problema e, com isso, a temperatura não para de crescer porque não há uma real redução das
emissões dos gases de efeito estufa”, explica Letícia, e cita as nações mais poluentes do mundo: China e Estados Unidos. Com isso, os impactos da crise climática, como secas, enchentes, calor extremo e inundações, continuam acontecendo progressivamente nos territórios.

Além disso, as soluções focadas apenas em tecnologias e criação de novos produtos, como o mercado de carbono, podem agravar violações territoriais. Letícia cita contratos abusivos e divisão entre as comunidades. Julia complementa ao dizer que muitos grupos se sentem violados pela publicidade que as empresas fazem sobre seus projetos de compensação, pois elas utilizam suas imagens para propagandas de benfeitoria.

Tudo isso está conectado a uma visão reducionista da crise climática. “Sejam as soluções tecnológicas, sejam as soluções financeiras, todas são falsas. Ou elas levam ao não enfrentamento ou ampliam os danos socioambientais.

Reduzir as mudanças climáticas ao carbono tem a ver com uma visão totalmente financeira, na qual você precisa de uma moeda de troca. Mas o problema climático é muito mais amplo”, afirma Letícia.

Como combater as mentiras verdes

Embora defenda o multilateralismo proposto pela COP 30, Letícia acredita ser necessária uma reforma da Conferência, com limites na participação da iniciativa privada em espaços como as COPs. “Ao invés de estarmos responsabilizando e colocando limites para a ação delas [empresas], está se constituindo outras formas de lucrarem com o problema”, diz, ao citar o artigo 6º do Acordo de Paris, que trata dos mercados de carbono, e, em sua visão, estão se criando instrumentos mercadológicos para que as corporações disputem uma prateleira de soluções.

Diante desse cenário, Jaiane Bruna aponta a comunicação como uma ferramenta eficaz para combater a desinformação climática. Contudo, ela acrescenta que é preciso fazer isso de forma mais ativa e menos passiva, com mobilizações nos territórios. Sua esperança é que a COP 30 reacenda a vocação de ocupar as ruas do ativismo climático brasileiro.

Além do engajamento popular, Julia recomenda “às pessoas questionarem as empresas e denunciarem para o poder público quando encontrarem discursos contraditórios ou falsos.” O Inesc, inclusive, irá lançar, ainda em 2025, o Observatório do Greenwashing como uma ferramenta pública para a sociedade civil realizar e acompanhar essas denúncias.

Por fim, Letícia defende que, para combater o greenwashing, é preciso buscar diálogos interseccionais com aperfeiçoamento e inovação na forma de contar a contranarrativa. “Precisamos de ferramentas lúdicas, didáticas e pedagógicas, que estejam mais próximas do cotidiano e do dia a dia das pessoas.”

Fique por dentro

  • Exploração de petróleo na Foz do Amazonas é uma “bomba” na biodiversidade, do ClimaInfo: bit.ly/RCC_14_033
  • Fossil fuel lobbyists eclipse delegations from most climate vulnerable nations at COP29 climate talks, da coalizão Kick Big Polluters Out: bit.ly/RCC_14_034
  • Manual de Enfrentamento à Mentira Verde”, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec):
    idec.org.br/greenwashing
  • Greenwashing: entenda o que é e aprenda a se defender de propagandas falsas, do Ministério da Justiça e Segurança Públicabit.ly/RCC_14_035

No Brasil, há casos de retrocessos encabeçados por políticos conservadores que agridem os biomas e os povos originários e tradicionais. Um dos exemplos recentes é a legislação aprovada após votação do Congresso Nacional, o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021. O texto, que ficou conhecido como PL da Devastação, tinha como objetivo fragilizar regras para o licenciamento ambiental e beneficiar projetos que ignoram a crise climática e vão contra a realidade dos desafios ambientais deste século. Segundo ambientalistas brasileiros, essa foi uma das maiores ameaças ao meio ambiente dos últimos anos. O Projeto de Lei foi sancionado pelo presidente Lula, em agosto deste ano, com 63 vetos.

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