Escola de Ativismo

Línguas, grafismos, pinturas e cantos: a importância do simbolismo na resistência indígena

Além de serem expressões marcantes da cultura indígena, os simbolismos também são fortalezas para os povos que resistem enquanto cuidam dos biomas.

Pinturas corporais, grafismos, os cantos, as tradições, a língua originária… O modo de viver dos povos indígenas, com seus símbolos e simbologias, são formas potentes de resistência. Nas aldeias do Maranhão é possível perceber que, em meio à destruição dos biomas e das ameaças aos territórios, essas expressões cotidianas se transformam em atos políticos que reafirmam a luta pela vida.

“A pintura para nós traz energia, força, espiritualidade da natureza. Eu gostaria que a população não indígena entendesse que nossa pintura é nossa cultura”, disse Frederico Pereira Guajajara, que é pintor corporal, artesão, coordenador de caciques e liderança da região de Araribóia.

O cacique da etnia Tetehar Guajajara é também atual presidente da associação comunitária Zyhatyw, na Aldeia Juçaral, e articulador político da região sul do estado na Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA). A liderança explica que os grafismos pintados nos corpos com jenipapo têm ligação com espiritualidade e proteção e possuem significados diferentes. 

“Eu gosto de fazer pintura de jiboia, símbolos do rios, pintura de tamanduá, pintura de guerreiros”, conta Tetehar. E explica que “os povos Guajajara usam jenipapo para pintar desde criança. Quando se completa um ano de idade, já realiza o primeiro processo de ritual. Isso diz muito sobre a transmissão de saberes dos povos indígenas”. 

O Guajajara explica que as pinturas não são só estética. Elas são importantes para a proteção física e espiritual. “A pintura, para nós, traz energia, força, espiritualidade da natureza. E através dela também a gente confunde os inimigos”, disse.

Frederico Guajajara, liderança indígena do Maranhão, é pintor corporal

A cultura indígena se sustenta em práticas que atravessam gerações. Cada gesto, cada canto e cada traço no corpo carregam memórias da ancestralidade. Por isso, a liderança indígena destaca a importância da preservação cultural. “Nós valorizamos os saberes tradicionais, a língua materna, as pinturas corporais, os rituais, as tradições, como valorização da nossa cultura, festas tradicionais como festa da menina moça festa dos rapazes, ritual do mel”, disse. 

Resistência nos territórios

Os povos indígenas são guardiões da natureza e, por causa da profunda conexão e conhecimento tradicional sobre a fauna e a flora, têm papel fundamental na preservação ambiental do Brasil. No entanto, a lógica do lucro e a força dos inimigos dos biomas em diferentes partes do Maranhão tem modificado as paisagens: onde antes havia coco babaçu, fonte de vida e sustento para comunidades inteiras, hoje predominam extensas plantações de eucalipto, que sufocam a biodiversidade e ameaçam práticas de subsistência ancestrais.

A aldeia de Frederico fica em Amarante, no sul do Maranhão – região muito desmatada para cultivo de eucalipto. Perto de Açailândia, os “desertos verdes” ameaçam a sobrevivência dos povos originários e tradicionais e a segurança alimentar no campo. 

Entre os impactos mais graves dessa prática estão o desaparecimento de fontes de água nas áreas de plantio e a desestruturação das formas de subsistência. Instalada na região, a Suzano – fabricante de celulose e uma das maiores produtoras de papéis da América Latina – recorre ao greenwashing para sustentar um discurso de sustentabilidade que não corresponde à realidade vivida pelas comunidades locais. Para quem permanece nesses territórios, as práticas tradicionais se tornam cada vez mais inviáveis diante da perda de recursos naturais, da erosão cultural e da pressão econômica. Quando empresas como essa se instalam, tudo muda e em muitos casos, a situação é tão crítica que famílias rurais acabam sendo forçadas a migrar em busca de condições mínimas de sobrevivência.

  • O termo greenwashing, em tradução livre significa “lavagem verde” ou “maquiagem verde” e  é uma prática que tem como objetivo passar uma mensagem falsa sobre sustentabilidade para parecer ambientalmente responsável, mas na verdade a estratégia esconde ações graves e prejudiciais para o meio ambiente. A ação pode acontecer com ocultação de dados, informações inverídicas, construção de imagem diferente da realidade, ou dando ênfase em alguma característica que pode ser considerada sustentável no lugar de produtos ou ações que são prejudiciais. Afinal, gastar milhões nas campanhas para criar uma imagem positiva não é um peso no orçamento bilionário dos atores que praticam essa farsa.

Mas a população do Maranhão tem resistido. E dentro das aldeias. Dados do censo do IBGE apontaram que o Maranhão é o segundo estado brasileiro com maior população indígena vivendo em seus territórios.  Mas, para enfrentar os inimigos, é preciso adotar estratégias que expressam resistência e poder coletivo. Para os povos indígenas, a verdadeira força está na ancestralidade. E é dessa força que brotam os cantos.  

Cantos ancestrais

Daiana Bento Sansão Gavião, da etnia Gavião Pyhcop Catiji, em aldeia Nova Marajá, no Maranhão, é cantora. Para ela, os cantos são muito mais do que melodia.  

“A música pra mim é força, é coragem, é resistência, além de ser alegria, união e coletividade nas nossas festas”, disse Daiana.

Daiana Gavião, da etnia Gavião Pyhcop Catiji, aprendeu cantar com a mãe

A cantora, que é técnica em enfermagem, conta que muitas dessas canções estão profundamente ligadas à natureza. Os cantos são entoados por indígenas em línguas originárias. Daiana canta na língua Jê.  “Nós cantamos vários tipos de canto. Tem cantoria de beija-flor, arara, papagaio. Tem da anta, capivara, veado e também dos peixes como  piranhas e arraias”.

Essas canções são muito mais que som e ritmo: carregam saberes, histórias e valores transmitidos de geração em geração. Cada melodia é um aprendizado que é compartilhado a cada geração. 

“Eu aprendi com a minha mãe que é uma cantora anciã que vem me incentivando a cantar. Ela canta para mim desde os meus 15 anos. Eu pretendo aprender muito mais para poder ensinar para os jovens que vão passando de geração em geração para que nunca acabe essas cantorias que trazem a paz, alegria e a união pro nosso povo”, disse Daiana. 

Língua originária como força

A manutenção da língua é mais uma das fortalezas dos povos indígenas no Maranhão. Em todo o Brasil, mesmo após séculos de duros processos de apagamento linguístico, os povos indígenas mantêm vivas e fortes diferentes línguas. 

Para fortalecer a manutenção das línguas indígenas, há projetos liderados por indígenas. Mairu Hakuwi Kuady Karajá, indígena do povo Iny Karajá, é idealizador e coordenador do Projeto Inyrybé – projeto que tem a missão de garantir a manutenção permanente da língua Inyrybé para o povo Iny. Nos territórios, ele dá aulas de Inyrybé para crianças, jovens, adultos e idosos. 

“É através da língua que entendemos que somos diversos. Possuindo formas de expressões próprias e sons únicos. É uma riqueza e raridade linguística que precisa ser vista como um importante patrimônio imaterial”, disse Mairu. 

Procurado pela Escola de Ativismo para falar sobre a importância da manutenção da língua para os povos indígenas, ele explicou que as centenas de línguas presentes no Brasil possuem diferentes troncos e famílias linguísticas e mostram a riqueza linguística e cultural do país e também revelam a profundidade e a diversidade dos povos originários e de suas expressões.

“As línguas indígenas são a afirmação da nossa identidade e das nossas histórias. A história é essencial, pois é por meio dela que descobrimos nossas origens. E ela é contada através da nossa língua. E a língua tem papel fundamental na manutenção e no fortalecimento de nossas raízes, além de preservar a memória coletiva”, disse Mairu.

Mairu Kuady dá aulas da língua Inyrybé – foto: Marcus A. S. Wittmann 

Para Mairu, a língua é muito além do que apenas uma ferramenta de comunicação. “É a transmissão do saber. Por isso, hoje reconhecemos o quão importante é mantermos nossas línguas fortalecidas e vivas. Ela faz com que tenhamos o conhecimento sobre quem somos, nossas histórias, tradições, contos, cantos e origens. É o pilar da identidade de um povo”, explicou.

O professor informou que a língua é uma fortaleza para os povos indígenas. Ela também é uma aliada quando o assunto é comunicação estratégica e segura, podendo ser usada como código estratégico quando é necessário tratar de assuntos sensíveis ou sigilosos.  

A língua é um componente da identidade dos povos indígenas crucial para que a atual e a futura geração saibam da sua existência enquanto pertencentes a um povo. “Ela é a raiz da transmissão dos conhecimentos e orgulho de pertencimento étnico. Mais do que isso, é a memória daqueles que resistiram e mantiveram”, finalizou Mairu. 

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