Escola de Ativismo

“A gente não veio para a COP para passear”, diz Alessandra Munduruku, após conquista de declaração de TI

Liderança Munduruku participou de ação direta na COP 30 e viu sua terra indígena, Sawré Ba’pim, ser declarada em pacote anunciado pelo governo

Às 5h40 da manhã do dia 14 de novembro, sexta-feira da primeira semana de COP 30, um grupo de indígenas Munduruku do movimento Ipereg Ayu fechou a entrada principal da Blue Zone, área de acesso restrito da conferência do clima e onde as decisões são feitas. Três dias antes, indígenas do Baixo Tapajós haviam ocupado a Zona Azul, deixando o clima tenso. A ocupação Munduruku pedia o anúncio da demarcação de terras indígenas como medida de mitigação da crise climática e a revogação do Decreto nº 12.600/2025, promulgado em 28 de agosto de 2025, e que coloca no Plano Nacional de Desestatização os projetos de hidrovia nos rios Madeira, Tocantins e Tapajós, representando, para os movimentos, uma violação do direito de consulta, que segundo eles, traz ameaças ao seu modo de vida e subsistência.

Até as 9h30 da manhã, se recusaram a liberar a entrada até conversarem com o governo. Foram recebidos por André Corrêa do Lago, embaixador e presidente da COP 30, Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas, Marina Silva, do Meio Ambiente e representantes do governo. O protesto foi significativo e se somou a diversas outras ações diretas e manifestações realizadas por indígenas, quilombolas, povos tradicionais e movimentos sociais como a Barqueata e a Marcha pelo Clima, além de centenas de iniciativas, debates e espaços alternativos durante a COP, promovidos por iniciativas como a Cúpula dos Povos e a Aliança dos Povos pelo Clima.

Nos dias que se seguiram, Guilherme Boulos, da Secretária Geral da República, anunciou que não haveria projetos nos rios Tapajós, Madeira, Paraguai e Tocantins sem consulta prévia – algo já previsto desde a ratificação pelo Brasil em 2002 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo Alessandra Korap Munduruku, em conversa com a Escola de Ativismo não fez muito sentido dado que o decreto em si já é uma violação ao direito de consulta. O governo foi obrigado a soltar uma nota explicativa.

Além disso, na segunda-feira, 17, dia dos povos indígenas na COP e da marcha A Resposta Somos Nós, organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o governo anunciou portarias declaratórias para dez terras indígenas: Vista Alegre (AM – Mura), Tupinambá de Olivença (BA – Tupinambá), Comexatibá (BA – Pataxó), Ypoí Triunfo (MS – Guarani), Sawré Ba’pim (PA – Munduruku), Pankará da Serra do Arapuá (PE – Pankará), Sambaqui (PR – Guarani), Ka’aguy Hovy (SP – Guarani), Pakurity (SP – Guarani) e Ka’aguy Mirim (SP – Guarani), além da homologação de mais quatro terras: TIs Kaxuyana-Tunayana,nos estados do Pará e Amazonas; e Manoki, Uirapuru e Estação Parecis, no Mato Grosso, subindo para 20 o total de terras homologadas no governo Lula, enquanto outras 66 já declaradas Terras Indígenas ainda aguardam a homologação. Também foram identificadas seis terras, Curriã (AM), Riozinho Iaco (AC), Kulina do Rio Ueré (AM), Aracá-Padauiri (AM), Gaviãozinho (AM) e Pindó Poty (RS).

Dentre as terras indígenas declaradas, está a Sawré Ba’pim, da liderança Alessandra Korap Munduruku que agora passa à integrar os territórios já declarados que aguardam homologação. A Escola de Ativismo conversou com ela na Zona Azul na tarde desta terça-feira, 18, para saber mais sobre esse processo de luta e qual a análise dela sobre o cenário político desta COP. “Nós não saímos do nosso território com as crianças, com os mais velhos para ficar sentado esperando a decisão dos governos, decidindo por nós”, disse. Confira a íntegra da conversa:

Escola de Ativismo: Ontem o governo declarou uma Portaria Declaratória relativa ao seu território Sawre Ba’pim. Como você está se sentindo hoje?

Alessandra Korap Munduruku: Olha, eu tô muito feliz. Ontem eu quando saí, a ministra [Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI)] me ligou para dar em primeira mão que a Portaria Declaratória do território Sawre Ba’pim foi assinada. Então agora é uma terra agora indígena, né? E eu fiquei feliz também porque outras terras também foram demarcadas. Mas a gente sabe que é muito processo. Que não vai ser fácil daqui em diante. E também isso aconteceu depois da pressão que a gente fez aqui na frente da COP 30, demandando que o Lula demarcasse a nossa terra. Mas não só: também queremos a revogação do Decreto 12.600/25 [no qual o governo federal passa para a iniciativa privada a responsabilidade pela declaração e administração de hidrovias]. Mas a gente tá esperando ainda não só nossas terras, mas outras terras que estão precisando ser demarcadas, porque a violência tá muito grande com nossos parentes.

E quando existe violência com nossos parentes, pela demarcação, estamos também sendo atacados e sentindo a dor. Quando os parentes sofrem, quando morrem, a gente fica imaginando, colocando o nosso corpo, imaginando como foi em nosso corpo. Quando viola nossos direitos, viola a natureza e o rio. E quando a demarcação demora, é paralisada, isso aumenta a invasão de rios e de territórios. Ocorrem muitas invasões em nossos territórios, nossas águas são envenenadas. Então a gente tem que avançar muito mais. 

É importante termos a declaração da portaria dos territórios, mas a gente ainda precisa da demarcação física e depois a homologação que vai dar o registro do nosso território. Então a luta não parou. A luta continua. 

EA: Vocês fizeram uma ação direta aqui e fecharam a entrada da COP. Foi uma das principais ações diretas que aconteceram aqui em Belém. Você acha que isso foi decisivo na conquista dessa declaração? 

Alessandra: Sim. Eu acho que sim, porque a gente não saiu do nosso território para passear. Nós não saímos do nosso território com as crianças, com os mais velhos para ficar sentado esperando a decisão dos governos, decidindo por nós.

Nós saímos do território para ter visibilidade e dizer assim: Nós estamos aqui, a resposta somos nós. E denunciar que os acordos que estão acontecendo nas conferências mundiais como essa não estão nos consultados e muitas vezes estão trazendo projetos de morte para nossos territórios e ainda esperam que a gente aceite.

E aí foi o momento que a gente decidiu fechar mesmo e dizer que nenhum país entra, nenhum dos 194 países que a ONU representa. Eles têm que nos ouvir. E o presidente da COP [André Corrêa do Lago] veio até a gente e pediu que saíssemos logo e nós falamos: “Não, a gente só vai sair daqui se realmente tivermos o governo com a gente”. E veio a ministra Sônia, veio a ministra Marina Silva, veio o representante do Boulos.  E a gente só liberou com conversa e com promessa.

EA: O que que está sendo a participação indígena nessa COP que está tendo uma um recorde de participação indígena brasileira?

Alessandra: Olha, já são 30 anos de conferência falando do clima e a gente vê que não adianta países, não adianta empresa, não adianta governo ficar falando pelos povos indígenas. Somos nós que temos que falar. Estamos aqui no Brasil, um país democrático, com 391 povos indígenas. E aí a gente continua reivindicando porque tem muito povo que ainda não tem espaço. Eu ouvi a menina falando que já tem 700 credenciamento aqui na Zona Azul. Isso é importante, isso é luta e se não fizer luta, nós não temos espaço e precisamos fazer muito mais.

Quem realmente tá na fiscalização do território, quem tá fazendo o enfrentamento com a crise climática muitas vezes não tem espaço. Mas a gente decidiu vir com dois ônibus de Munduruku e conseguimos ter voz. No território já estão comemorando a declaração, mas ainda falta a revogação do decreto 12600 que a gente está esperando. Mas falaram que vai ter consulta. Só que eu fiquei dúvida como é que vai ter uma consulta se o decreto fala o contrário? Eles precisam escutar todo mundo, todos os povos tradicionais que dependem dos rios Madeira, Tapajós e Tocantins para existir.

EA: E quais são os próximos passos da luta? 

Alessandra: Não sei ainda. Vamos ver!

Coletivo independente constituído em 2011 com a missão de fortalecer grupos ativistas por meio de processos de aprendizagem em estratégias e técnicas de ações não-violentas e criativas, campanhas, comunicação, mobilização e segurança e proteção integral, voltadas para a defesa da democracia e dos direitos humanos.

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