Silvia e Josenita se aproximaram nos anos 1980, através da militância no recém-fundado Partido dos Trabalhadores (PT). “Ela participava da Equipe Popular de Camaragibe, um grupo autogestionado com rapazes e moças ligados à ala progressista da Igreja, que faziam animação cultural na cidade usando teatro e música. Era um tipo de militância muito comum na época, que levava a discussão de problemas sociais para a população”, comenta.
Marcado pela ampla presença de fábricas, o município de Camaragibe foi um importante espaço de articulação operária, à qual associavam-se movimentos populares e da juventude, no período da Ditadura Militar.
“Na frente da casa em que Jô morava com sua avó, havia um areal onde a equipe popular colocou um telhado e fez uma sede. Ali eram promovidas apresentações teatrais, debates e leituras, envolvendo crianças, mulheres e idosos”, lembra Silvia.
Nos espetáculos artísticos, Josenita já discutia a questão da homossexualidade e expressava sua identidade a partir de uma perspectiva distante da heteronormatividade corrente, sobretudo no contexto da periferia de Camaragibe.
Entusiasta da reciclagem, a militante tinha o hábito de adaptar ou customizar as próprias roupas, a partir de peças doadas ou compradas por ela.
“Nos anos 1980, por influência do movimento hippie, muitos militantes de movimentos populares se recusaram a seguir as tendências da indústria da moda, optando pelo que já se considerava um vestuário alternativo. Por serem do teatro, Jô e seus parceiros, muitos deles de gênero dissidente, acabavam chamando muita atenção pelas roupas chamativas, muitas vezes criadas e reformadas por eles mesmos, e por fugirem do que se esperava de uma moça ou um rapaz”, coloca Silvia.
Com a morte de sua avó, na década de 1990, Josenita arrecadou diversos livros por meio de doação e transformou o interior da casa em que vivia em uma biblioteca comunitária.
“Esse espaço funcionava como um ponto de encontro e até como uma creche, para mulheres da comunidade que não tinham onde deixar seus filhos. Era um espaço da Associação de Mulheres Entendidas, que Jô fundou depois de deixar o AHMOR, frequentado por mulheres da comunidade”, explica Verônica Ferreira, militante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), pesquisadora e professora do curso de serviço social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Em profunda sinergia com sua comunidade, Josenita vivenciou as mais diversas lutas que permeavam o cotidiano de Alberto Maia. Na área de moradia, participou de mutirões para construção de moradias, inclusive da própria.
“A casa dela, em grande parte, foi feita em regime de mutirão, inclusive uma casinha pequena que ela fez para alugar e transformar numa fonte de renda. Apesar disso, muitas vezes, ela tinha dificuldade de cobrar os inquilinos. Muitas vezes, isso também acontecia com outras pessoas que ela recebia em casa, incluindo pesquisadores que vinham desenvolver trabalhos na região.Era alguém que vivenciava um espírito socialista mais profundo, de partilhar o que tinha e não o que sobrava”, ressalta Verônica.
Àquela altura, a casa de Josenita já havia se tornado um ponto de referência em seu bairro, em que até mesmo suas festas de aniversário convertiam-se em eventos comunitários.
“Era como estar num espaço feminista que se mantinha além do tempo e das mudanças, onde se observava algo que já não existia em outros lugares. Eu arriscaria dizer que Jô foi uma das pessoas mais firmes na convicção de que a construção do feminismo deve acontecer na luta. Ela vivia isso como experiência e não retórica: era anticapitalista e antirracista na prática”, diz Verônica.