Por Vitória Rodrigues – 12/06/2024

 

 

Encontro no Rio de Janeiro debate intersecção entre cultura, indústrias criativas e a crise climática

Foto: The People’s Palace Projects

No ano passado, pela primeira vez, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP) contou com um pavilhão dedicado exclusivamente para as áreas de Entretenimento e Cultura. Com doze dias de programação, o pavilhão dedicou-se a olhar qual é o papel da cultura no combate à crise climáticas.

De olho na importância da cultura e do clima pensando na primeira COP que o Brasil receberá na história, em Belém (PA), em 2025, na última sexta-feira (07), houve um encontro no Rio de Janeiro para discutir as intersecções entre cultura, clima e incidência internacional.

O encontro, realizado pela People’s Palace Projects do Brasil, em parceria com o Perifalab, recebeu Andrew Potts, advogado especializado em políticas culturais, sobre os esforços internacionais para colocar a arte, a cultura, o patrimônio e as indústrias criativas no centro das políticas climáticas da COP.

Imaginação e sonho

A conversa foi mediada pela ativista climática, comunicadora e produtora cultural Marcele Oliveira, que já escreveu por aqui sobre seu interesse em fazer arte e cultura andarem lado-a-lado com a justiça climática. Marcele, diretora executiva do Perifalab, também é co-fundadora da Coalizão O Clima É De Mudança e Jovem Negociadora pelo Clima.

Para ela, é imprescindível manter três ideias-chave: mudança, revolta e sonho. “A imaginação é chave, porque raramente as pessoas se dispõem a sonhar com um presente justo”, complementou o advogado Andrew Potts, da Climate Heritage.

Se imaginar é arriscado, viver uma realidade que seja boa, justa e de qualidade parece distante. Para Andrew, “a nossa vida é tão enraizada nesta cultura do petróleo, que certas vezes soa assustador viver em um mundo que não é assim. Como você viveria numa cidade carbono zero? O que você comeria, como você se locomoveria?”

E como imaginar uma cultura sem isso? No Brasil, por exemplo, a exploração de recursos naturais não renováveis financia uma parte significativa da produção artística e cultural.

Neste ano, por exemplo, o edital Petrobras Cultural destinou R$250 milhões a projetos artísticos por meio de incentivos fiscais da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual. A última chamada do Instituto Cultural Vale 2024 destinou R$ 30 milhões para patrocínios a projetos de todo o Brasil.

“No contexto capitalista, a gente tem uma política cultural dependente de empresas petroleiras, mineradoras, a gente tem uma política climática dependente de países que são exploradores, que colonizaram. A caneta, o dinheiro ainda está na mão de quem causou o problema. E aí, quando eu penso em capitalismo, em enfrentamento, em ecossocialismo radical, eu penso que é fazer essa denúncia de forma escalonada, então não é só numa pequena conversa, sabe?”, provoca Marcele.

“Se não tiver o dinheiro da petroleira, então qual é o dinheiro que vai financiar a cultura? Se não tiver a caneta na mão desse país, que não está nem um pouco comprometido, como que a gente faz o Sul Global crescer? É sobre influência para tomar as próprias decisões. São perguntas que não estão prontas, mas que nos guiam para enfrentar o capital”, disse Marcele.

Andrew Potts, Marcele Oliveira e Mayra Mota l Foto: The People’s Palace Projects

E os grandes espaços de produção de entretenimento também têm a sua responsabilidade. Ela disse que gostaria de convidar os produtores de grandes eventos, donos e gestores de casas, museus e espaços de cultura para uma grande roda. Nela, convocaria essas pessoas a incluir pauta climática e conscientização no escopo de nossas curadorias, nas informações que estão propagadas nos espaços de grande circulação de público.

De olho na COP

E se o caminho para a vitória política da cultura na COP30 começa com mobilizações como essa, é preciso olhar com certa crítica o que foi feito até agora. Para Andrew, o que é construído hoje nas Conferências “não leva em consideração as construções históricas e o colonialismo, além de ignorarem os facilitadores para soluções sociais e locais.”

Dentro das políticas desenvolvidas pelos países, muitas vezes só há um foco especial para o combate da crise climática através de um olhar que pensa o mundo da tecnologia e das finanças, mas acaba-se deixando de lado a cultura e os atores sociais. O advogado do Climate Heritage ainda complementa dizendo que é uma crise antropogênica, causada por determinados setores da sociedade e que é agravada pela população a partir de uma cosmovisão imposta.

Para Marcele, é urgente conectar a discussão para pensar em soluções que as periferias e as comunidades originárias e tradicionais essencialmente estão fazendo. “É respeitar a história, memória e patrimônio e usar essa mesma história, memória e patrimônio para construir narrativas.”

As narrativas construídas por produtores de arte e cultura na COP sempre estiveram nas conferências, na opinião de Andrew. Elas só precisam ser amplificadas e levadas mais a sério. Apenas no ano passado foi criado o ‘Grupo de Amigos da Ação Climática Baseada na Cultura’, co-presidido pela Ministra da Cultura Margareth Menezes.

Mesmo com avanços da criação do Pavilhão de Clima e Entretenimento, além da criação do Grupo de Amigos, a cultura precisa estar oficialmente dentro de uma estratégia para ações climáticas. Mas ainda assim, a cultura nunca foi mencionada nos documentos oficiais da COP.

Andrew, que acompanha os debates e as negociações com afinco, lembra que é preciso de muito mais. “Líderes e políticos se apresentaram lá dentro [do pavilhão], como o Michael Regan, da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Mas quando ele atravessou a rua e entrou no Pavilhão Azul (de negociação) votou contra a inclusão de cultura dentro do debate de mudanças climáticas.”

As mudanças climáticas já estão acontecendo e exterminando territórios, memórias e construções de culturas ao redor do mundo inteiro. É necessário garantir que a sociedade civil não esteja apenas protestando dentro das suas delimitações em conferência, mas que tenha, também, o poder de decisão para decidir os rumos de um mundo que a cada dia é mais destruído em nome do lucro e da exploração. 

Enquanto se financia a cultura, acaba-se com ela. Até quando essa atividade poderá ser realizada por grandes empresas? Até que ponto atividades que não se enxergam como conectadas ao clima poderão ser executadas? 

Sem possibilidades de vida, não há chance de sobrevivência, de clima e de cultura.

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