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“Responsabilidade política”: ativista escreve sobre militância, juventude e crise climática

A jovem ativista Ana Terra escreve sobre como os movimentos sociais podem ser um local de formação e experimentação política à partir do compromisso com a transformação do mundo

Nos últimos anos  venho me dedicando a um dos trabalhos mais gratificantes, significativos e interessantes da minha vida: a militância. Ao mesmo tempo, estou avançando em uma graduação em sociologia e, devido à licenciatura, tive a oportunidade de me maravilhar e me inspirar com a sala de aula. Estar com jovens dentro e fora de sala, contribuindo de formas diferentes para formação deles (e a minha própria) me fez perceber a importância da educação e do compromisso com processos formativos para construção de pensamento crítico e formação de responsabilidade política.

Minha vida militante começou no início de 2021, quando entrei no Jovens pelo Clima Brasília, em plena pandemia. Nessa época, todos os encontros de discussão eram virtuais  mas, mesmo de longe, nossas trocas eram intensas, uma vez que existia em nós a vontade combativa de superar um momento muito difícil: uma pandemia, um governo fascista e a ruptura dos nossos planos e expectativas jovens devido ao isolamento. Era, acima de tudo, um espaço de acolhimento onde conseguíamos nos reconhecer uns nos outros, imaginar mundos possíveis, agir em nome desse mundo e manter a esperança viva. 

Costumamos dizer no Jovens pelo Clima que a pauta climática é como se fosse um “guarda-chuva”, é o que mostramos primeiro, nossa pauta orientadora, mas sob ela estão as outras pautas essenciais para alcançar a justiça social e climática que defendemos. Então nós fortalecemos entendimentos que tratam de ecologia numa perspectiva de gênero, sexualidade, raça, etnia, classe, etc., entendendo que é preciso desafiar o pensamento hegemônico de que só existe uma maneira de existir coletivamente nesse planeta, e apontar que há uma relação significativa entre as contradições do sistema capitalista e a crescente crise ambiental e climática.

Por mais que a crise climática seja um fato (embora alguns neguem) evidenciado por eventos climáticos extremos, fatos por si só não transformam a sociedade. É a interpretação dos fatos e o conjunto de narrativas construídas em torno deles que promove mudanças ou, por outro lado, garante a conservação da ideologia dominante. Tragédias relacionadas a eventos climáticos extremos, por exemplo, podem causar revoltas direcionadas ao poder público ou, ao contrário, encorajar um sentimento fatalista na população. Por isso as disputas de narrativas são tão acirradas, elas moldam como a opinião pública vai influenciar as decisões políticas.  

Movimentos sociais são particularmente importantes nesse sentido, pois estão em um trabalho constante de disputa de narrativas, a partir da organização política. Estes movimentos são capazes de chegar em setores da sociedade com mais fluidez, são responsáveis por encabeçar campanhas que influenciam o debate público, realizam ações diretas para pressionar figuras políticas e se fazem presentes em espaços decisórios representando a sociedade civil. Por exemplo, em abril de 2021, 6 jovens se juntaram para denunciar o Governo brasileiro por violar o Acordo de Paris ao divulgar, de forma velada, metas menores que as anteriores. Dois anos depois a NDC brasileira foi corrigida e passamos a discutir cada vez mais quais são as capacidades do Brasil em se responsabilizar por metas cada vez mais ambiciosas. 

Os movimentos de juventude, em especial, cresceram significativamente ao redor do mundo desde 2019, inspirados pelo movimento Fridays for Future, encabeçado pela então adolescente sueca Greta Thunberg. Este também foi o ano do lançamento do Jovens pelo Clima. Uma das explicações para este “boom” é que a juventude que tem mais tempo para atuar no seu território, que trava discussões importantes no ambiente familiar e que está interessada nas conversas difíceis. A participação jovem vem sendo cada vez mais valorizada nos ambientes políticos, fruto de muita mobilização e esforço. Mas ainda lidamos com dificuldades quando o assunto é massificar o movimento jovem por justiça climática e, consequentemente, garantir mudanças mais expressivas nas políticas públicas. Isso se deve por vários motivos, desde falta de recursos materiais até o desinteresse de muitos jovens em política, e muito mais entre esses dois problemas. 

Em  minhas experiências em sala de aula, e mesmo fora dela, em ambientes de militância jovem e troca de experiências, pude perceber como falar sobre meio ambiente abre espaço para que as pessoas contem suas próprias histórias acerca dos seus territórios, suas relações com a cidade e a alimentação. A partir dessas primeiras indagações é possível desenvolver a relação entre essas percepções pessoais e a influência da política, do sistema vigente, das diversas formas que é possível buscar por alguma mudança. Além disso, discutir a partir de recortes de gênero, raça e classe sempre foi bem-sucedido, muitas vezes os jovens trazem para consciência suas próprias condições ou condições das pessoas com quem convivem. Seria estranhamente presunçoso descartar que meio ambiente e aquecimento global são assuntos recorrentes hoje, e que muitos jovens, de modos diferentes, sofrem com as mudanças ambientais e climáticas.

Passei a refletir em como sempre incentivar reflexões críticas nas diversas atividades que realizamos no movimento depois que comecei a estagiar em escolas. Eu via o trabalho dos professores com muita admiração, eles estavam ativamente construindo narrativas em conjunto com os alunos, incentivando o pensamento crítico, propondo atividades e mantendo a sala de aula como um ambiente seguro para a experimentação. Desde então busco promover, junto aos jovens que militam comigo, espaços interessantes para a juventude, que sejam seguros e possuam os recursos necessários para que cada um possa desenvolver suas habilidades e sinta-se importante para o coletivo. 

Uma educação como prática de liberdade, como defende Paulo Freire, nos dá ferramentas para um trabalho contínuo de transformação do mundo. Quando me refiro à educação na militância, estou invocando um espaço contínuo de troca de saberes. Penso em como toda atividade, encontro ou ação tem potencial para ser uma “escola”. Análises de conjunturas, construção de atividades externas, grupos de estudos e estruturação de posicionamentos são exemplos de tarefas militantes evidentemente formativas. Mas promover um espaço de trocas contínuo é encontrar em todas as atividades uma oportunidade de aprendizado, que promova reflexões sobre a realidade, a procura por soluções e o interesse nas mudanças estruturais. Principalmente garantir que o movimento social seja um espaço de experimentação política, feito de jovens para jovens. 

TEXTO

Ana Terra

Militante ecossocialista do movimento social Jovens pelo Clima Brasília. Estudante de graduação em Sociologia/Licenciatura na Universidade de Brasília.

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