Poderia apostar que todo mundo já ouviu alguém dizendo que “não sabe português”, isso no Brasil e em… português! O que acontece é que há uma associação – equivocada – de língua com a norma padrão, como se fossem sinônimos. Mas, como acabamos de ver, a realidade não é nem nunca foi essa.
O que chamamos de norma padrão é uma forma idealizada, um grande acordo (com Supremo, com tudo) feito para homogeneizar a nossa escrita. É diferente da norma culta, que é o nome que se dá à maneira como as classes sociais mais escolarizadas falam, e não, elas não falam a norma padrão. Na verdade, ninguém fala, porque ela é realmente uma idealização, uma abstração, não existe falante nativo de norma padrão.
Lembremos quem é que historicamente legislou em nossa sociedade. No momento de definir o que entra ou não nos manuais de gramática que prescrevem como se deve ou não falar/escrever, são as pessoas nas posições de poder econômico e político que participam desse processo, refletindo o que parece certo para elas e excluindo a população que não faz parte desse grupo.
Então, quando alguém diz que é “ruim de português”, que “não sabe falar direito”, isso significa que ela não manuseia adequadamente a norma padrão. E só isso, pois essa pessoa sabe sim as estruturas da língua portuguesa, tanto que está se comunicando com a comunidade de falantes de português.
Daí derivam uma série de preconceitos, sendo a associação entre não dominar o padrão com pouca inteligência um dos mais explícitos, e tem sido amplamente discutido sob o termo “preconceito linguístico”. Essa ideologia tem reflexos dos âmbitos mais cotidianos até esferas públicas que vêm sendo mais debatidas, entre elas: quem tem direito à escrita? Só quem domina a norma do poder?
Essa água é tão invisível que, do lado de quem luta pela emancipação dos povos e fim das desigualdades, encontramos muito da ideologia da norma. Isso acontece quando se propõe que comunidades abandonem sua forma de falar para se beneficiarem social e economicamente, como se o único caminho fosse as classes oprimidas aceitarem o código daqueles que as oprimem.
“A opressão linguística […] não surge no vácuo e não constitui um problema por si só – ela vem da mesma sociedade de classes com suas desigualdades. A única maneira de as desigualdades linguísticas desaparecem não é aprendendo a língua dos que estão no topo, mas sim através da eliminação política das desigualdades sociais.” (Puh e Popović, 2023)