Por Pedro Ribeiro Nogueira

Após sete dias de evento, movimento indígena conquista aprovação de políticas públicas importantes na garantia da vida dos povos

 

Marchas nas ruas, vigílias, gritos e conversas. Seis mil indígenas de mais de duzentos povos de todo país acamparam mais uma vez em Brasília (DF) para a 19a edição do Acampamento Terra Livre (ATL). Articulações institucionais e entre movimentos indígenas para fortalecer a luta, ao lado de cantos, rezas, festa e demandas por respeito, demarcação e efetivação de políticas públicas. Momentos de formação e fortalecimento.

Se durante o governo Bolsonaro a luta pela vida demandava a resistência e a proteção dos territórios, agora foi possível respirar fundo e avançar, como disse a secretária-executiva da APIB, Juliana Guarani. “Mas nunca esquecendo o histórico de sangue e suor que lava esse território. Relembramos ancestrais e lideranças que aqui tombaram. Também das mulheres que foram vítimas da violência em mais de 522 anos.” 

Assim, pela primeira vez desde 2018, quando o inominável ex-presidente disse que nenhum centímetro de território seria demarcado, tivemos seis homologações.

Marcha declarou emergência climática durante o ATL l Foto: Pedro Ribeiro Nogueira

“A diferença começa quando a gente se sente seguro de estar aqui, para poder dialogar com as pessoas. É um passo significativo na nossa história e tem tudo para entrar nos livros”, disse a comunicadora Alice Pataxó em entrevista à Escola de Ativismo durante o acampamento, ao pensar sobre o primeiro ATL pós governo Bolsonaro.

Em sua fala, o presidente Lula assumiu um compromisso de proteção da vida nas terras indígenas. “Queremos os indígenas brasileiras sendo tratados com toda dignidade. Eles não devem favor a nenhum outro povo. Eles dizem que vocês ocupam 14% do território nacional dizendo que é muita terra. Mas antes do português vocês ocupavam 100%”, disse, sob aplausos, em evento no útimo dia do ATL.

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Próximos passos 

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, lembrou que quase 10% das terras demarcadas não estão nas posses plenas de seus respectivos povos. 

“Mesmo demarcadas, essas terras estão impactadas por sobreposições, empreendimentos, grilagens, invasões para uma prática de uma série de crimes, extração de madeira, garimpo e uso dos territórios pelo narcotráfico. Por isso é importante a fiscalização permanente e a proteção. As terras indígenas pertencem ao patrimônio da União, e como ela tem protegido esses territórios?”, disse Sônia, que também defendeu a criação de uma Comissão da Verdade Indígena. 

Guajajara também nomeou como “institucionalização do genocídio” os últimos quatro anos de Bolsonaro. “O resultado dessas políticas, presidente Lula, foi um aumento do número de ameaças contra nossos povos, corpos, culturas e territórios. Essa ação criminosa afeta os não-indígenas também. Afeta o ar que respiramos e a água que todos bebem. Empobrecem o solo, nossa grande mãe. Nós nos importamos muito e fazemos nossa parte todos os dias”, protestou Guajajara, agradecendo os primeiros passos dados, mas afirmando que é necessário avançar.

 E o que o próximo período guarda após o ATL para os povos indígenas? “A perspectiva pro próximo período de luta do movimento indígena é continuar com a demarcação dos nossos territórios. Nós temos essa ideia de fomentar a relação política das mulheres, mas também do movimento indígena dentro da Câmara e do Senado. São coisas que estamos construindo aos poucos dentro do nosso movimento”, pontuou Alice Pataxó.  

Durante o ATL, também foi oficialmente declarada emergência climática pelos povos indígenas através de uma marcha e de uma carta, que demandou ações urgentes para mitigar as mudanças climáticas. 

Há também uma mobilização já convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) dos dias 5 ao 9 de junho para acompanhar o julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento poderá impactar futuras demarcações de terra em todo o país.

“Eu vou falar com o Lula para ele agilizar as demarcações. Mas vocês têm que defender o território para não deixar o garimpeiro e madeireiro entrar”, disse em seu pronunciamento Cacique Raoni, no encerramento do ATL. 

Plenária final com presença de Lula e autoridades de estado e lideranças do movimento indígena l Foto: Pedro Ribeiro Nogueira

O que foi assinado por Lula

Também no encerramento do acampamento, o presidente Lula assinou dois decretos: a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e a instituição do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), voltado para proteção, recuperação, conservação e uso sustentável dos recursos naturais nos territórios indígenas. O governo anunciou, além disso, a liberação de R$ 12,3 milhões à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para fortalecer comunidades indígenas. 

As terras demarcadas: TI Arara do Rio Amônia (AC), com população de 434 pessoas e portaria declaratória do ano de 2009; TI Kariri-Xocó (AL), com população de 2.300 pessoas e portaria declaratória do ano de 2006; TI Rio dos Índios (RS), com população de 143 pessoas e portaria declaratória de 2004; TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE), com população de 580 pessoas e portaria declaratória do ano de 2015; TI Uneiuxi (AM), com população de 249 pessoas e portaria declaratória do ano de 2006; TI Avá-Canoeiro (GO), com população de nove pessoas e portaria declaratória do ano de 1996.

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