Embora já figurem em algumas competições esportivas, os times de futebol compostos por pessoas trans costumam encontrar dificuldades para arcar com a participação nos eventos. “A gente percebe que as pessoas cis tem uma vida mais estabilizada, com amigos e conhecidos que oferecem patrocínio, coisa que não conseguimos. Além disso, muita gente questiona o porquê de a gente não querer jogar contra pessoas cis, ignorando o fato de que elas sempre tiveram espaço para jogar, sem nunca interromper esse hábito por causa de uma transição. As pessoas trans nem sempre puderam, foram parando de praticar o esporte, o que faz com que o nível técnico caia”, lamenta Rodrigo Arcanjo, fundador e treinador do Trans United FC, equipe do Rio de Janeiro formada por mais de vinte atletas trans.
Campeão sul-americano de kung fu, Rodrigo escreveu através do esporte alguns dos capítulos mais importantes de sua vida. “Desde criança, antes da transição, eu jogava bola. Aos 11 anos de idade, no período em que minha família se mudou para o Espírito Santo, entrei em um time só de meninos. Para poder disputar as primeiras competições, o clube entrou com ações na justiça”, lembra.
O bom desempenho esportivo rendeu a Rodrigo, aos 15 anos de idade, uma Bolsa Atleta, benefício que o poder público oferece para incentivar a profissionalização da prática esportiva. A conquista, contudo, forçou o afastamento do lutador de sua outra paixão. “Minha mãe não me deixava jogar bola, porque tinha medo de me machucar e me prejudicar nas competições, então tive que parar com o futebol. Eu treinava pela manhã, estudava à tarde e treinava de novo à noite”, relata Rodrigo. Na época, o desejo de voltar aos gramados ainda motivou sua participação nas peneiras de grandes clubes, como o Santos e o Vasco. “Não vi muito futuro no futebol feminino, que era a categoria que eu disputava na época, estava querendo fazer faculdade, iniciei minha transição e acabei desistindo”, completa.
Após uma passagem pelo Big T Boys, outro time formado por pessoas trans no Rio de Janeiro, Rodrigo resolveu fundar o Trans United FC. “Parte do grupo veio comigo e hoje incentivamos também a participação de mulheres trans. Temos duas em nosso grupo”, ressalta. As dificuldades apareceram logo no início do projeto, com a falta de recursos para garantir um local seguro para os treinos. “No início, nossa quadra tinha uma mensalidade de R$ 800 e muitos me procuraram para dizer que não estava dando para pagar. A gente não podia contar com o espaço público, porque não era seguro para o grupo. Agora, conseguimos a autorização da administração para jogar no Parque Madureira nas noites de segunda, em um horário em que ele fica fechado para outras pessoas”, ressalta.
Com a concentração dos campeonatos da diversidade no estado de São Paulo, o desafio de gerir um time trans inclui os custos com deslocamento da equipe. Rodrigo conta que, por vezes, precisou assumir os gastos para não deixar ninguém de fora. “A gente sabe que muitos homens trans não conseguem acesso a uma formação profissional ou a um emprego. Como muitos não têm condição de bancar nem alimentação, a gente só viaja com essa garantia para todos. Além disso, vejo a alegria do pessoal quando a gente consegue fretar um ônibus, o clima legal de uma equipe viajando para jogar futebol. Para muitos, é a realização de um sonho”, afirma.
A chegada nas competições, contudo, nem sempre é fácil. Não são raros os relatos de transfobia contra atletas mesmo nos eventos organizados pela comunidade LGBTQUIAP+, que costumam ocupar toda a agenda dos times compostos por pessoas trans. “A transfobia começa nas súmulas, que não respeitam os nomes sociais de muitos atletas os quais ainda não tiveram acesso à retificação. Além disso, as arbitragens insistem em nos chamar pelos pronomes incorretos, a ponto de eu precisar intervir porque meus atletas não estão sendo respeitados”, lamenta Rodrigo.
Apesar dos desafios, o treinador vê a potência política do time como o principal motivo para não desistir da iniciativa. “Nosso modo de fazer política é existir. É entrar na Vila Olímpica, no meio dos homens cis, com nossa bandeira, para fazer com que vocês entendam que a nossa militância é através do esporte e que vamos ocupar esses lugares sim”, destaca.